Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo IV | Page 8

Alexandre Herculano
d'ella, convertido em
simples administrador, falta a este o principal estimulo para os
melhoramentos permanentes. Tudo pelo contrario o incita a tirar dos
predios que possue a maxima utilidade pessoal. Salvas as hypotheses
de viva affeição áquelle, que, não elle, mas a lei e a instituição fazem
seu herdeiro, ou de uma decisiva paixão pela agricultura, o
administrador do vinculo será sempre o peior entre os proprietarios
ruraes, e a terra vinculada será constantemente um modelo de
atrazamento e de incuria, um obstaculo permanente ao progresso
agricola. A historia e o estado dos vinculos em Portugal demonstram a
posteriori a verdade e o alcance d'esta objecção.
A instituição vincular é injusta excluindo os irmãos menores de egual

quinhão na herança paterna, tornando-os dependentes, por um subsidio,
do irmão mais velho, ao passo que não podem obstar a que este annulle
os recursos para o pagar. Aquelle incerto meio de subsistencia é, alem
d'isso, um incentivo de preguiça e ignorancia, uma fonte de
irremediavel miseria para o homem a quem um berço illustre poz sem
culpa sua fora do direito commum.
O vinculo é a negação permanente de uma das primeiras condições da
propriedade: n'elle os dois dominios estão incorporados n'um só, mas
esse dominio não está actualmente em parte nenhuma. Ficou, digamos
assim, chumbado na campa de um tumulo: o tumulo retem-n'o até o fim
das gerações. O morto desmentiu o direito dos vivos. O seu herdeiro, o
homem que lhe succedeu na posse da terra e que elle chamou a isso por
um acto livre e espontaneo, é pouco mais que um simples usufructuario.
Mas ha outro que deva depois d'elle succeder com pleno direito, porque
o affecto nascido dos laços domesticos ou do sentimento da gratidão
moveu o instituidor a tornal-o proprietario d'essa terra apoz o
quasi-usufructuario? Não ha. Ha só uma serie de descendentes que o
instituidor desconhece, e, na falta d'estes, os de collateraes que não lhe
importam. O fundador de um vinculo não fez mais do que empilhar os
corpos de individuos tirados das diversas gerações para sobre elles
assentar o throno da sua vaidade. Decretou-se homem grande: teve
pena de que o futuro esquecesse personagem tão importante. Certa
escola socialista mais moderada nega no que possue o direito de testar:
os que estabeleceram a jurisprudencia dos morgados foram os
precursores d'essa escola. Os antigos sacrificavam ao Deus
desconhecido, _ignoto deo_; os instituidores de vinculos sacrificam
ignoto homini.
Os vinculos refogem, pela condição da inalienabilidade, aos impostos
sobre transmissão por venda. Tornam, n'esta parte, em virtude de um
privilegio, impossivel de se realisar ácerca d'elles a proporcionalidade
constitucional das contribuições.
A existencia dos vinculos, derivando de um privilegio, está
absolutamente em antinomia com a lei política, não se provando que
essa existencia seja de utilidade publica.

Admittidos entre nós os vinculos em epochas, nas quaes o atrazo
agricola tornava pouco productiva a terra, esta só podia constituir um
morgado ou capella importante, vinculando-se uma immensa extensão
de solo. No meio, porém, de população rara e de cultura pouco intensa
e pouco frequente, elles não ofereciam grande obstaculo á exploração
da terra. Agora, porém, que já o agricultor arrosta com os terrenos de
segunda qualidade, e que a população se desenvolve e cresce, cada
decada, cada anno, cada dia estão mostrando mais claramente o
absurdo de se conservarem terrenos, muitas vezes de primeira ordem,
incultos ou mal cultivados por causa de uma instituição, cuja existencia
não é legitimada por nenhum motivo attendivel.
A propriedade d'esta especie esta em regra condemnada á ruina e ao
atrazamento. O predio vinculado, passando livre ao successor, é uma
pessima hypotheca. O capital não se põe em contacto com elle senão
por meio de exorbitantes usuras. Comprehende-se como um mau
administrador de vinculo para satisfazer os proprios appetites ou
paixões sacrifique á agiotagem um futuro que é seu; mas não se
comprehenderia egual sacrificio da parte de um homem cordato, que
pretendesse applicar um capital avultado aos melhoramentos de
propriedades arruinadas pelo desleixo e falta de economia dos seus
antecessores. Embora as bemfeitorias sejam encargo transmissivel, é
certo que o dinheiro seria sempre incomparavelmente mais caro para
elle do que para o proprietario cujos bens podem ser executados, e o
dinheiro caro é para a agricultura do nosso paiz como se não existisse.
Na verdade, trazida sem restricções a propriedade vinculada ao direito
commum, o mau administrador desbarataria facilmente os proprios
haveres; mas o bom poderia com uma parte d'esses bens, por qualquer
modo alienados, tornar solido o resto da sua fortuna: mais; poderia tirar
do sacrificio os meios de dar á porção salva um valor egual ou maior do
que tinha todo o vinculo. Por certo que para isso necessitava de
actividade, de economia e de intelligencia; mas favorecer taes dotes não
seria uma das menores vantagens da abolição.
Se a facil
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