politica, que se remonta acima da comprehensão de nós outros homens
vulgares, que importa? É uma rixa domestica; é uma questão entre os
labios e a voz intima do coração. Nada temos com isso. O que nos
importa é o facto, e o facto é que gosamos de paz e de liberdade de
discussão ácerca de todas as materias politicas e sociaes. A quem nos
deixa isto deve-se perdoar alguma coisa. Pode-se ter qualquer
sentimento a respeito dos homens da situação: ter-lhes odio seria
impossivel. Estão abaixo e além d'isso.
E no meio da paz e da liberdade da palavra e da escripta apparecem
tendencias, e mais do que tendencias, esforços para a realisação de
novos progressos. O governo actual é arrastado pela opinião publica,
como o seria qualquer outro que o substituisse, a melhorar as
communicações internas, e no Minho ergue-se o povo para tomar n'esta
parte a iniciativa. As questões d'instrucção popular, que passavam
desapercebidas, excitam já a attencão e o interesse: não tardará que a
opinião reclame a sua solução practica tão imperiosamente como
reclama as estradas. As doutrinas da liberdade da industria e do
commercio não só combatem face a face as preoccupações contrarias,
mas até são chamadas á prova, e legitimam-se pelos resultados. Os
espiritos começam a comprehender que o credito rural pode deixar de
ser uma utopia, a associação uma vã palavra. No parlamento é atacada
a instituição dos vinculos, e parece aproximar-se a ultima ruina d'estes.
O governo, emíim, abriu o caminho para se chegar um dia ao
verdadeiro systema tributario, sem o qual o triumpho completo do livre
commercio e da livre industria é impossivel. Por ora a repartição do
imposto directo, substituida á decima, pouco mais é do que uma troca
de palavras, e Deus queira que não deixe de o ser antes de tempo; mas
o povo vai-se afazendo á idéa, e é essa uma grande difficuldade vencida
para o futuro.
Estes factos são importantes, e estão, em geral, no espirito da revolução
de 1832; mas todos elles tem uma desenvolução posterior, e essa
desenvolução é que ha-de aproximal-os ou afastal-os do systema
d'aquella epocha. Oppõem-se-lhes as tendencias reaccionarias, algumas
das quaes já se manifestam nas leis e traduzem-se nos factos. Quando
em muitos animos preponderam os desejos da restauração do passado;
quando estes desejos começam a apparecer na legislação, é preciso
estar de sobreaviso para que a reacção se não introduza no progresso
sob o manto da imparcialidade. É esse o perigo das doutrinas, que nos
aconselham afastemos os olhos das questões de ordem moral para só
pensarmos no melhoramento material. Servirão taes doutrinas a tal ou
tal situação, porque precisará d'ellas para se absolver a si propria; mas
não servem ao paiz, e podem ser ainda fataes áquelles mesmos que as
propugnam. Cumpre na desenvolução de cada reforma ligal-a pelas
suas condições ao systema da liberdade.
Se repetidos exemplos de corrupção fizeram descrer o paiz dos homens
publicos, o progresso material, desligado e independente das condições
politicas da sociedade actual, pode fazel-o descrer d'essas condições. O
governo representativo não é commodo nem barato. É preciso que o
povo considere as vantagens do bem estar como inseparaveis dos
incommodos e sacrificios que as instituições exigem. O triste
espectaculo, que hoje presenceamos, de uma grande nação privada dos
seus fóros é a mais tremenda lição que nos offerece a historia sobre as
consequencias de converter o porco de Epicuro em symbolo exclusivo
da religião social.
III
*Abolição dos vinculos*
O pró e o contra
Entre as reformas pendentes merece attenção particular a abolição dos
vinculos. Agita-se hoje essa questão, á roda da qual vêm accumular-se
outras mais graves. Considerada em si, e só em relação aos seus
resultados economicos, a extincção d'esta fórma de propriedades
realisar-se-ha de um modo. Considerada em relação a todas as
consequencias da medida, tanto economicas como sociaes e politicas,
ha-de realisar-se de outro. A abolição dos morgados e capellas pode,
até certo ponto, remediar o mal que resultou do systema inconveniente
adoptado na distribuição e alienação dos bens nacionaes, se essa
abolição se reputar um problema subordinado, uma hypothese que entra
na questão geral da organisação da propriedade em relação ao bem
estar material, moral e politico da sociedade. A esta luz a solução da
questão geral determina forçosamente a da hypothese. Não é possivel,
portanto, separal-as. Nas considerações que vamos fazer, considerações
talvez incompletas, mas que cremos uteis, procuraremos quanto fôr
possivel attingir á generalidade.
As principaes objecções que se podem oppôr á existencia dos vinculos
são de diversa ordem: moraes, politicas e economicas. Uma parte
d'ellas entram na questão geral da grande e da pequena propriedade.
Outras pertencem á ordem politica e á ordem moral.
Oppõe-se aos vinculos que, sendo estes uma fórma de propriedade em
que o direito de testar é tirado ao possuidor

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