Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo IV | Page 9

Alexandre Herculano
divisão do solo tem em geral uma grande importancia
economica e social; se a tem egualmente a facil transmissão pelos

contratos de compra e venda; os vinculos, contradizendo
completamente esses dois factos, devem cessar de existir.
Taes são as considerações principaes que se offerecem ou podem
offerecer para se abolir esta forma especial de propriedade. Os seus
defensores recorrem não raro a subterfugios e a razões insignificantes.
Ha todavia algumas considerações que parecem favorecer os vinculos.
Contrapol-as às allegações em contrario é mostrar que se busca
sinceramente a verdade.
O direito de propriedade é virtualmente atacado na abolição dos
vinculos. O instituidor de qualquer d'elles estabeleceu-o em bens seus
inteiramente livres, e sem offensa das leis de successão. Se elle tinha o
direito de testar esses bens, tinha tambem o direito de regular o modo
de succeder, de limitar e impôr condições á fruição do que era seu.
Nas monarchias representativas considera-se a existencia das
aristocracias como um facto social legitimo. Pelas instituições esse
facto é convertido em principio politico manifestado no pariato: ou,
antes, o facto indestructivel da desegualdade social é circumscripto por
aquellas instituições dentro da orbita politica, ficando ao mesmo tempo
excluido das relações civis legaes. Desde que, porém, a aristocracia,
representante da desegualdade, é considerada como elemento politico,
torna-se necessario garantil-a. Os vinculos, destinados a manter e
perpetuar as familias aristocraticas, estão portanto essencialmente
ligados á existencia da monarchia representativa.
A divisão indefinita do solo tem os inconvenientes que a França, onde
as instituições de direito publico e de direito civil a favorecem
excessivamente, já experimenta em larga escala. A idéa de
allodialidade absoluta da terra, e de favor para a subdivisão contínua da
propriedade, prevalecendo entre nós no commum dos espiritos, e
manifestando-se já nas tendencias de certas leis, ha-de emfim vir a
produzir os mesmos males que produz em França e em outros paizes, e
contra os quaes varios estados de Allemanha tratam de prevenir-se por
via de leis positivas e terminantes. A existencia dos morgados
estabelece uma compensação a similhantes tendencias, e equilibra a
grande e a pequena propriedade.

Suppondo, porém, que em geral a grande propriedade prepondere hoje;
suppondo ainda que a parte allodial d'ella se não transforme pelo
decurso do tempo, e que resista ás tendencias e leis que favorecem a
divisão do solo; nem ainda assim os vinculos devem ser abolidos por
manterem a grande propriedade. Esta não pode ser considerada como
um inconveniente, visto parecer demonstrado que a grande cultura
produz mais barato, que dá em resultado maior producto liquido, e que
não ha grande cultura sem vasta propriedade. Deduzir da situação
accidental dos vinculos, situação que ainda se não examinou se podia
ser melhorada, argumentos contra a essencia de uma instituição, que
pode contribuir para a creação de importantes valores, parece pessima
logica e ainda peior economia politica.
Na hypothese, porém, de que a propriedade perfeitamente livre tenda
sem remedio a subdividir-se indefinidamente, opinião que tem por si os
factos e as previsões de distinctos economistas, abolidos os vinculos,
que é o que fica para satisfazer á necessidade economica da existencia
de grandes predios ruraes?
A centralisação é o grande defeito dos governos representativos:
centralisação da soberania; centralisação da administração pelo
executivo; centralisação da justiça; centralisação da força publica. Mas
todos os poderes centraes tendem a destruir a independencia ou a acção
uns dos outros e a elevar-se acima d'elles. Não raro acontece isto, e a
experiencia ensina-nos que por via de regra é o executivo quem
triumpha, sobre tudo pelos meios de corrupção, triumpho tanto mais
perigoso, quanto é certo que se mantem de ordinario as apparencias
constitucionaes, e que esse absolutismo é mais facil de sentir do que de
demonstrar quando acata certas formulas tornadas estereis. A força dos
agentes administrativos é, n'esta hypothese, immensa; porque se
multiplica de um modo incalculavel a energia da centralisação já
d'antes exaggerada. Abolindo-se os morgados e capellas, e
destruindo-se por esse modo a grande propriedade e as influencias dos
nomes historicos, não se faz mais do que remover obstaculos ás
demasias dos delegados do poder central. O cavalheiro de provincia,
essa entidade com recursos materiaes e moraes para contrastar a
autocracia do funccionalismo, cessará de existir. Retalhados os predios

allodiaes pelas heranças, os morgados seriam o ultimo e unico refugio
da resistencia legal ao despotismo da centralisação administrativa.
Ainda outros argumentos a favor da manutenção dos vinculos se
costumam deduzir de certa ordem de considerações moraes. Tal é a
difficuldade de os abolir sem offender direitos adquiridos ou as regras
da equidade. Mas tambem os adversarios dos vinculos vão buscar nessa
mesma ordem de idéas considerações que se oppõem á sua conservação.
Subsequentemente teremos de avaliar alguns d'esses encontrados
argumentos quando a successão das idéas nol-os suggerir. Aqui só
quizemos indicar as ponderações mais graves que mutuamente se
contrapõem sobre um problema,
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