porém, a consideração de um 
delirio limitado foi, talvez por mais apparente, predominando sobre a 
de um estado mental depressivo na caracterisação da melancolia, como 
se vê nos auctores que succederam a Areteu. Procurando, com effeito,
differenciar a melancolia da mania, elles não o faziam pondo em 
contraste os estados emotivos que acompanham estas vesanias, mas 
proclamando que na primeira o delirio é limitado, unico e absorvente, 
ao passo que na segunda elle é multiplo, geral e dispersivo. 
Repetindo-se atravez dos tempos, esta doutrina que faz prevalecer o 
elemento intellectual sobre o emotivo, conquista de tal modo as 
opiniões que no seculo XVII melancolia e delirio parcial tornam-se 
termos equivalentes. Assim Sennert a definia: «Uma concentração da 
alma sobre a mesma idéa ou um delirio que se exerce sobre um 
pensamento, falso quasi exclusivo».[1] 
[1] Vid. Morel,Traité des maladies mentales, pag. 54. 
Nenhuma idéa de emoção depressiva e dolorosa se encontra n'esta e 
analogas definições, em que, pelo contrario, a unidade do delirio figura 
como elemento exclusivo. O angor animi de Areteu desapparecera, 
restando apenas da antiga definição o conceito de um espirito absorvido 
in una cogitatione. Logicamente, pois, incluiram os medicos do seculo 
XVII o delirio de grandezas no quadro clinico da melancolia. Sob o seu 
ponto de vista, com effeito, tanto valem os perseguidos como os 
megalomanos, porque uns e outros são, no dizer de Sennert, doentes 
«cuja razão se acha pouco alterada ou apenas alterada em relação a um 
objecto», isto é, por definição, melancolicos. Entre estes collocava o 
auctor que acabamos de citar, um doente julgando-se monarcha do 
Universo e cuja razão, só parcialmente lesada, lhe permittia «dissertar 
perfeitamente sobre as mais graves questões». Plater, ao lado dos 
melancolicos sitiophobos «receiando envenenamentos e accusando de 
hostilidade e perfidia os seus mais intimos amigos», collocava doentes 
«possuidos das idéas de opulencia e de realeza». 
A unidade do delirio e não a natureza d'elle ou das emoções que o 
acompanham, constituia no seculo XVII, como se vê, a caracteristica 
dos estados melancolicos. De resto, Sennert explicitamente affirmava 
que «na melancolia o delirio é muitas vezes alegre». 
Os medicos do seculo XVIII acceitaram unanimemente a doutrina que 
no quadro clinico da melancolia fazia entrar a titulo de variedades os
delirios de perseguições e de grandezas. Para Sauvages, por exemplo, o 
delirio exclusivo caracterisava a melancolia; mais explicito, Lorry 
descreveu como fórma d'esta vesania «um delirio parcial exaltado com 
paixão excitante». 
A primeira metade do nosso seculo não trouxe modificação sensivel a 
estas idéas. Rusch descrevia em 1812 duas variedades melancolicas, 
uma triste, tristimania, outra alegre, aménomania. Pinel admittia 
igualmente duas fórmas de melancolia: uma depressiva e outra 
ambiciosa, caracterisadas por um delirio parcial. «Nada mais 
inexplicavel, diz elle, e, todavia, nada mais verificado que a existencia 
de duas fórmas oppostas da melancolia. É algumas vezes uma explosão 
de orgulho e a idéa chimerica de possuir immensas riquezas e um poder 
sem limites, outras vezes o abatimento mais pusilanime, uma 
consternação profunda e mesmo o desespero»[1]. 
[1] Pinel, Traité médico-philosóphique sur l'aliénation mentale, pag. 
165. 
Sob diversa nomenclatura, Esquirol propagou, sem as alterar no fundo, 
as idéas dos seus antecessores. Designando pelo termo infeliz de 
monomania o grupo dos delirios parciaes, acceita duas variedades ou 
especies: uma, depressiva, a lypemania, outra, expansiva, a monomania 
propriamente dita. A lypemania, que não é senão a tristimania de 
Rusch ou a melancolia de fórma depressiva de Pinel, comprehende 
entre outras variedades o delirio de perseguições, ainda então 
innominado; a monomania propriamente dita, que equivale á 
aménomania de Rusch e á melancolia de fórma expansiva de Pinel, é 
por elle definida «um delirio parcial ou monomania alegre», e 
comprehende os delirios de grandezas, não só o idiopatico, mas, como 
se vê nos casos que aponta, o symptomatico da paralysia geral, ao 
tempo ainda não descripta. 
Recebendo a influencia tradicional dos seus predecessores, Esquirol 
transmittiu-a, reforçada pela sua grande auctoridade, aos alienistas que 
lhe succederam na primeira metade d'este seculo. É documento d'isso o 
extraordinario successo da doutrina das monomanias, aliás 
psychologicamente erronea, clinicamente infecunda e juridicamente
perigosa. 
No seu Tratado das Doenças Mentaes affirma Esquirol que o termo 
monomania adquiriu direitos de cidade pela, introducção no diccionario 
da Academia Franceza, e felicita-se por isso. E, todavia, esse termo é 
confuso, porque no proprio livro do mestre nos apparece com 
significações diversas, ora designando, como vimos, delirios parciaes, 
ora obsessões e impulsos, isto é, um conjuncto de factos heterogeneos e 
de significação clinica diferente. Primitivamente creada para designar o 
mesmo que a melancolia dos antigos--uma affecção parcial do 
entendimento, acompanhada quer de tristeza, quer de expansão, a 
palavra monomania foi insensivelmente generalisada pelo proprio 
Esquirol no sentido de exprimir uma doença, ou desvio parcial de 
qualquer faculdade: ao lado de uma monomania intellectual, tem logar 
uma monomania affectiva e uma monomania impulsiva. Delirios 
systematisados, emoções procedentes de idéas    
    
		
	
	
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