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Cortador, collaço de Affonso Henriques (com quem na mesma noite, 
para receber a pranchada de cavalleiro, vellára as armas na Sé de 
Zamora), apparece logo na batalha d'Ourique, onde tambem avista 
Jesus-Christo sobre finas nuvens d'ouro, pregado n'uma cruz de dez 
covados. No cerco de Tavira, Martim Ramires, freire de San-Thiago, 
arromba a golpes de acha um postigo da Couraça, rompe por entre as 
cimitarras que lhe decepam as duas mãos, e surde na quadrella da torre 
albarran, com os dous pulsos a esguichar sangue, bradando alegremente 
ao Mestre:--«D. Payo Peres, Tavira é nossa! Real, Real por Portugal!» 
O velho Egas Ramires, fechado na sua Torre, com a levadiça erguida, 
as barbacans erriçadas de frecheiros, nega acolhida a El-Rei D. 
Fernando e Leonor Telles que corriam o Norte em folgares e 
caçadas--para que a presença da adultera não macule a pureza extreme 
do seu solar! Em Aljubarrota, Diogo Ramires o Trovador desbarata um 
troço de bésteiros, mata o Adiantado-mór de Galliza, e por elle, não por 
outro, cahe derribado o pendão real de Castella, em que ao fim da lide 
seu irmão d'armas, D. Antão d'Almada, se embrulhou para o levar, 
dançando e cantando, ao Mestre d'Aviz. Sob os muros d'Arzilla 
combatem magnificamente dois Ramires, o edoso Sueiro e seu neto
Fernão, e deante do cadaver do velho, trespassado por quatro virotes, 
estirado no pateo da Alcaçova ao lado do corpo do Conde de 
Marialva--Affonso V arma juntamente cavalleiros o Principe seu filho e 
Fernão Ramires, murmurando entre lagrimas: «Deus vos queira tão 
bons como esses que ahi jazem!...» Mas eis que Portugal se faz aos 
mares! E raras são então as armadas e os combates de Oriente em que 
se não esforce um Ramires--ficando na lenda tragico-maritima aquelle 
nobre capitão do Golpho Persico, Balthazar Ramires, que, no naufragio 
da Santa Barbara, reveste a sua pesada armadura, e no castello de prôa, 
hirto, se afunda em silencio com a náu que se afunda, encostado á sua 
grande espada. Em Alcacer-Kebir, onde dous Ramires sempre ao lado 
d'El-Rei encontram morte soberba, o mais novo, Paulo Ramires, pagem 
do Guião, nem lezo nem ferido, mas não querendo mais vida pois que 
El-Rei não vivia, colhe um ginete solto, apanha uma acha d'armas, e 
gritando:--«Vai-te, alma, que já tardas, servir a de teu senhor!»--entra 
na chusma mourisca e para sempre desapparece. Sob os Philippes, os 
Ramires, amuados, bebem e caçam nas suas terras. Reapparecendo com 
os Braganças, um Ramires, Vicente, Governador das Armas 
d'Entre-Douro e Minho por D. João IV, mette a Castella, destroça os 
Hespanhoes do Conde, de Venavente, e toma Fuente-Guiñal, a cujo 
furioso saque preside da varanda d'um Convento de Franciscanos, em 
mangas de camisa, comendo talhadas de melancia. Já, porém, como a 
nação, degenera a nobre raça... Alvaro Ramires, valido de D. Pedro II, 
brigão façanhudo, atordôa Lisboa com arruaças, furta a mulher d'um 
Védor da Fazenda que mandára matar a pauladas por pretos, incendeia 
em Sevilha depois de perder cem dobrões uma casa de tavolagem, e 
termina por commandar uma urca de piratas na frota de Murad o 
Maltrapilho. No reinado do Sr. D. João V Nuno Ramires brilha na 
Côrte, ferra as suas mulas de prata, e arruina a casa celebrando 
sumptuosas festes de Egreja, em que canta no côro vestido com o 
habito de Irmão Terceiro de S. Francisco. Outro Ramires, Christovam, 
Presidente da Mesa de Consciencia e Ordem, alcovita os amores 
d'el-rei D. José I com a filha do prior de Sacavem. Pedro Ramires, 
Provedor e Feitor-mór das Alfandegas, ganha fama em todo o Reino 
pela sua obesidade, a sua chalaça, as suas proezas de glutão no Paço da 
Bemposta com o arcebispo de Thessalonica. Ignacio Ramires 
acompanha D. João VI ao Brazil como Reposteiro-Mór, negoceia em
negros, volta com um bahú carregado de peças d'ouro que lhe rouba um 
administrador, antigo frade capuchinho, e morre no seu solar da 
cornada de um boi. O avô de Gonçalo, Damião, doutor liberal dado ás 
Musas, desembarca com D. Pedro no Mindello, compõe as empoladas 
proclamações do Partido, funda um jornal, o Anti-Frade, e depois das 
Guerras Civis arrasta uma existencia rheumatica em Santa Ireneia, 
embrulhado no seu capotão de briche, traduzindo para vernaculo, com 
um lexicon e um pacote de simonte, as obras de Valerius Flaccus. O 
pae de Gonçalo, ora Regenerador, ora Historico, vivia em Lisboa no 
Hotel Universal, gastando as solas pelas escadarias do Banco 
Hypothecario e pelo lagedo da Arcada, até que um Ministro do Reino, 
cuja concubina, corista de S. Carlos, elle fascinára, o nomeou, (para o 
afastar da Capital) Governador Civil de Oliveira. Gonçalo, esse, era 
bacharel formado com um R no terceiro anno. 
E n'esse anno justamente se estreou nas Lettras Gonçalo Mendes 
Ramires. Um seu companheiro de casa, José Lucio Castanheiro, 
algarvio muito magro, muito macilento, de enormes oculos azues,    
    
		
	
	
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