consequencias de um completo alcoolismo; essa 
mesma indifferença e impassibilidade oppunha ao effeito, não menos 
inebriante, das lisonjas de que lhe enchiam os ouvidos. 
A eloquencia cortezã dos seus muitos enthusiastas mais do que uma 
vez a recebia assobiando distrahidamente, mas sem a menor affectação, 
o nacional God save the queen, ao qual marcava compasso com a
cabeça ou com a bengala. 
Não se dava ao trabalho de retribuir um cumprimento com outro 
cumprimento. Aquelles que teem por costume semeiar lisonjas, para 
depois as colherem, em proveito proprio, encontravam em Mr. Richard 
Whitestone terreno ingrato para tal genero de cultura; não vingavam lá. 
A chamar-se delicadeza a certos requebros de linguagem, a certas 
subtilezas de galanteios, a certos meneios, ares e olhares convencionaes, 
muito á moda nas salas e que variam com as épocas, hesitar-se-hia em 
conceder a Mr. Richard o nome de delicado. 
A delicadeza que elle praticava não era de facto essa. Fazia-a consistir 
toda, a sua, nos sentimentos e nas acções inspiradas pelos eternos e 
invariaveis dictames da consciencia e da razão, superiores portanto ás 
fluctuações caprichosas da moda. Era uma delicadeza natural. 
Verdadeiro inglez da velha Inglaterra, sincero, franco, ás vezes rude, 
mas nunca mesquinho e vil, podia tomar-se por uma vigorosa 
personificação do typico John Bull. 
Alheio e pouco propenso á metaphysica, não o namoravam as 
transcendentes questões de philosophia, que preoccupam doentiamente 
as intelligencias da época; todo votado á contemplação da face positiva 
da vida, se não se arroubava, como os exaltados optimistas, a 
considerar nos destinos futuros da humanidade, evitava tambem o 
estorcer-se nas garras do demonio da hypocondria, como se estorcem 
tantos, a quem prolongadas meditações sobre os males que perseguem 
o homem acabam por envenenar o pensamento. 
Possuia em compensação Mr. Richard, e em alto grau, para luctar 
contra as occorrentes resistencias da vida effectiva, aquella qualidade 
de espirito, que, segundo Sterne, se diz _obstinação_ nas más 
applicações e _perseverança_ nas boas. 
Outra apreciavel disposição de animo caracterisava ainda o nosso 
commerciante:--era a de não ser sujeito a longas mortificações, ou pelo 
menos--e com mais rigor talvez--a de não as manifestar nos gestos ou
por quaesquer signaes exteriores. 
Dir-se-hia, a julgal-o pelas apparencias, que espessa camada de 
estoicismo lhe encrustára o coração, libertando-o da influencia dos 
estimulos, que mais dolorosamente costumam commover essa viscera 
de tão numerosas sympathias. 
N'este mundo, ao qual os Heraclitos dos seculos christãos grangearam o 
titulo lutuoso e elegiaco de Valle de lagrimas, não sabia successo 
possivel, catastrophe realisavel, com força de alterar por muito tempo a 
costumada expressão physionomica de Mr. Richard, de lhe desbotar 
sequer o colorido vigoroso, ou,--como julgo se lhe chama em 
linguagem technica,--o colorido quente, do qual lhe vinha ao gesto 
certo ar de satisfação, despertador das mais justificadas invejas. 
Nos typos inglezes, que as ondas do oceano arrojam todos os dias ás 
nossas praias, é este phenomeno mais vulgar do que porventura se 
pensa. 
Cada uma d'essas figuras britannicas vale por um protesto mudo, mas 
eloquente, contra os velhos preconceitos de poetas e de escriptores 
meridionaes. 
Teimam de facto estes em que são indispensaveis os vividos raios do 
nosso desanuviado sol, ou a face desassombrada da lua no firmamento 
peninsular, onde não tem, como a de Londres--_a romper a custo um 
plumbeo céo_--para verterem alegrias na alma e mandarem aos 
semblantes o reflexo d'ellas; imaginam fatalmente perseguidos de 
spleen, irremediavelmente lugubres e soturnos, como se a cada 
momento saíssem das galerias subterraneas de uma mina de _pit-coul_, 
os nossos alliados inglezes. 
Como se enganam ou como pretendem enganar-nos! 
É esta uma illusão ou má fé, contra a qual ha muito reclama debalde a 
indelevel e accentuada expressão de beatitude, que transluz no rosto 
illuminado dos homens de além da Mancha, os quaes parece 
caminharem entre nós, envolvidos em densa atmosphera de perenne
contentamento, satisfeitos do mundo, satisfeitos dos homens e, muito 
especialmente, satisfeitos de si. 
Nem é para admirar que o romancista inglez James ousasse abrir o 
primeiro capitulo de um romance seu com a seguinte exclamação: 
«_Merry England! Oh, merry England!_» Alegre Inglaterra! oh! alegre 
Inglaterra! 
E por que se não ha de chamar alegre á Inglaterra? Como se 
generalisou a infundada crença de que o inglez é por força 
melancolico? 
É uma d'estas abusões, para lhe não dar nome peior, contra as quaes 
ninguem se precavê com sufficiente criterio philosophico. 
Repare o leitor imparcial para qualquer dos membros da colonia 
ingleza, á qual Mr. Richard Whitestone pertencia, e verá que nem só 
nos tempos em que a civilisação e a industria não tinham ainda 
arroteado as densas florestas britannicas, seria cabido o jovial estribilho 
da canção que o supracitado romancista pôz na bôca do legendario 
Robin Hood, seu heroe:--«_Ho, merry England, merry England, ho_»; 
póde ainda cantar, através dos nevoeiros e do fumo das fabricas, o 
inglez moderno, fiel depositario d'aquelle folgado    
    
		
	
	
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