Santa Rita Pintor

Carlos Parreira
Santa Rita Pintor, by Carlos
Parreira

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Title: Santa Rita Pintor In Memoriam
Author: Carlos Parreira
Release Date: September 16, 2007 [EBook #22643]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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RITA PINTOR ***

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CARLOS PARREIRA
+SANTA RITA PINTOR+
:IN-MEMORIAM:

MCMXIX

Composto e impresso na Imprensa de Manuel Lucas Torres Rua do
Diario de Noticias, 59 a 61--Lisboa

CARLOS PARREIRA
+SANTA RITA PINTOR+
:IN-MEMORIAM:
MCMXIX

+GUILHERME DE SANTA RITA+
Maquete em terra-cota
Guilherme de Santa Rita, que o despeito caraïba de um jornal, no
peixe-e-carne de um dos seus +menus+ necrologicos, apostila
jogralmente de «um dos mais entusiasticos cultores +d'essa coisa a que
se chama para ahi o futurismo+»,--Guilherme de Santa Rita era por
dentro e por fóra um Artista, um representante legitimo d'essa especie
de +exilados+, sempre ferido pelo gume das cousas circundantes,
sobrepairando numa atmosfera de abstráções e desdens, ao mesmo
tempo fálhos e complexos, argila e chamma, que a Vida pulveriza,
como as creanças malignas as azas das borboletas.
Com a sua figura grácilmente exangue de fim de raça, com a sua voz
que ora parecia +ter remorsos de falar+--voz de himoptise, a
extinguir-se; ora fazia parar na rua, no mosaico dum café, no simulacro
de gruta dum +hall+ de exposições, onde certos visitantes vão e veem
como peixes mortos boiando á flôr d'agua duma piscina,--fazia deter,
com timbres angulosos de cristaes a partir-se, anatomias ruminantes de
bons-senhores +effarés+; com o seu perfil de caule em que as

andainas-sacos de +kappelmeister maniaco, +acintosamente+ mal
aprumadas, evocavam cerimoniaes mysticos de catafalco; com os seus
cabelos dum castanho tranzido de escuro, dir-se-iam molhados sobre a
fronte dum palôr de camelia branca, como aves da noite que
congelassem contra uma estatua de ephebo num jardim; com os seus
gestos hiperinquietos, estridentes, chariváricos, +ilustrando+ os
dialogos com a vertigem dum Claude Monet fixando na téla o bailado
loïe-fulleresco dos tons;--Santa Rita era a demonstração viva, a
contraprova faiscante deste aforismo de Baudelaire: «on peat vivre trois
jours sans pain, mais on ne peut passer um jour sans poésie.+»
Quem uma vez tocasse o tubernaculo da sua intimidade, aceitasse o
convite que elle cavalheirescamente fazia para um +passeio d'Arte+
por entre as acacias da Avenida, nalgum entardecer de láca de Florença
ou, ás noites, quando os ventos ulúlam os seus leit-motivos de pavor,
forçosamente havia de reconhecer que calcurreava a par d'+alguem+
muito diferente do +homo vulgaris+, «saco de comida» que Vinci
lançou ás feras dos seus sarcasmos teogónicos e n'este paiz dos ceus de
porcelana, patria bem amada da mesmice, os +aristos das letras+
reeditam; d'+alguem+ que nos dominios da Emoção e do Pensamento
os fados sagraram gran-senhor e que era como uma antêna plurivibratil,
halucinatoria, aonde prendiam todos os fios de todas as exquisitezes da
sensibilidade moderna.

[Nota do Transcritor: Aqui surge uma fotografia com Santa Rita
Pintor.]
+SANTA RITA PINTOR+
CLICHÉ PEDRO LIMA
STUDIO AVENIDA DA LIBERDADE

Elle era, como quase todos os espiritos +ineditos+, um intoxicado
d'Arte, possesso da necessidade de drapejar aos quatro ventos a toxina

que o esperecia. Razão porque muitos dos seus conhecidos o achavam
extravagante, bizarro e manifestavam ante a sua expansibilidade
radiosa o espanto colerico da mosca que não pode atravessar a placa
flamejante dum vitral +e não sabe porquê+.
Que fôsse possivel existir quem nesse asylo da mendicidade que é, em
Lisbôa, a chamada «roda» dos intelectuaes, estalactites de café, onde a
sua inteligencia, uma vez ou outra condescendia em aparecer, talvez
para se documentar sobre não sei que humoristica compilação dos usos
e costumes dos fósseis,--que fôsse possivel existir quem, entre os
+superiores e idealistas+, dispensasse +la poésie+ nas 24 horas
chloroticas ou congestivas do dia-a-dia, eis contra que Santa Rita
protestava com as mais agudas das suas interjeições, agitando em
elypses de mófa os longos dedos piciolados de violinista tisico, os seus
dedos de bôa linhagem, cheios de expressão, vozeantes d'alma, feitos,
como os de Jean Lorrain, para o ritual luminico das joias...
E nada mais divertido do que assistir então aos esforços dos sapos
tentando alcandorar-se aos cimos em que o meu querido pintor
goticisava vôos. Inestimaveis melharucos de sonetos lusitanos,
poedôres mecanicos de versos coloristas, mais ignorantes do que
cavalariços, querendo vêr no analfabetismo a marca da originalidade e
com desdens de guardas-portões pelos que estudam; prosadores de
noticias d'annos; pinturrécos sem paleta, que enchem os +godets+,
quando muito de anilina; rodins de farinha triga, que quando fazem
+bonzos+
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