á admiração de todo o mundo, mas acabámos 
empresa ainda maior, porque fizemos tambem a nova humanidade, 
congraçando e tornando umas das outras conhecidas as raças e as 
familias, que viviam pelos ambitos da terra sem liame e sem 
commercio fraternal. 
D'esta prodigiosa Renascença, em que a moderna christandade tornou a 
viver no espirito e no genio da antiguidade, fomos nós os mais activos e 
fecundos cooperadores. A outros coube a gloria de comprehender 
primeiro e divulgar as formosas manifestações da intelligencia e da 
imaginação entre os antigos; de recompor as estatuas, onde o ideal 
quasi se confundia com o divino, de reconstruir os sumptuosos 
monumentos, de evocar das ruinas o mundo classico, e ao bafejo da 
paciente erudição fazel-o resurgir na apparencia da sua eterna belleza e 
perfeição. Mas em quanto os outros recompunham a antiguidade, nós 
mais audazes e felizes do que elles, alcançavamos completal-a e 
corrigil-a, penetrar onde ella não chegou, e tornar mil vezes mais 
intensa a sua luz, enfeixando com ella a que em remotas e 
sobrehumanas excursões se reflectiu na lamina das espadas gloriosas, e 
nas colubrinas e bombardas dos nossos galeões. 
Fizeram elles o renascimento do passado, dispertando-o do seu tumulo. 
Nós fomos acordar o futuro das nações no berço onde nasce a aurora. 
Fizeram elles resurgir as tradições da Grecia e Roma. Nós fizemos 
nascer e avigorar-se o espirito da humanidade. 
Os outros fizeram a sciencia da antiguidade, acurvados nos 
pulverulentos manuscriptos e nas reliquias já truncadas da arte, da 
sciencia e da poesia. Nós fizemos a doutrina, que se accumula 
navegando e combatendo, a perigosa erudição, que se compra com 
sangue derramado, e enlaçámos aos loiros da sciencia as palmas 
triumphaes. 
Para entalhar no bronze da epopéa os feitos que resumem a vida 
nacional, nasceu Camões.
Quem era? D'onde veiu? Onde nasceu? Onde passou a puericia? Onde 
aprendeu na adolescencia os dois amores, que lhe exalçaram o espirito, 
cravando-lhe de espinhos o coração,--o amor da patria, que elle 
idolatrou mais que ninguem,--o amor da mulher, que mais do que 
nenhum poeta lyrico elle soube divinisar? 
A vida do Camões é em quasi todos os seus successos uma lenda, ou 
um mysterio. Do poeta conhecemos perfeitamente o aspecto, em que se 
volta para nós e para a patria. Ignoramos quasi inteiramente o que se 
occulta nas escuras profundezas do coração e da existencia individual. 
É como estes resplendentes corpos celestes, de quem apenas rastreamos 
a luz e o esplendor, sem ao certo comprehender o que está por baixo da 
luminosa superficie. Contemplamos no Camões reflectida com toda a 
sua clara intensidade a vida nacional. Acostumámo-nos a vêr e admirar 
no seu espirito a imagem heroica do povo portuguez. Os loiros, que lhe 
exornam a fronte, são tambem os laureis que enramaram em seus 
triumphos a patria, quando era gloriosa e invejada. A sua alma é a alma 
da nação. No seu poema não respira apenas o estro de um cantor, 
palpita o coração de Portugal. É preciso que haja o que quer que seja de 
vago, impessoal e indeciso n'esta figura grandiosa, que tem á cinta o 
proprio gladio da nação, e desfere no seu plectro, não os sons da sua 
propria inspiração, mas os hymnos collectivos entoados por todo um 
povo á sua grandeza e á sua gloria. O Camões não é apenas um poeta, é 
um côro triumphal, em que as vozes de muitas gerações, na propria 
saudação dos seus heroicos feitos, se conglobam nos accentos de uma 
voz predestinada. 
São mal delineados, nebulosos, os contornos biographicos do Camões. 
Não se sabe ao certo quando nasceu, porque n'estas imagens e 
personificações da vida nacional, é bem que nos possamos illudir, 
suppondo que andaram largos tempos voejando antes que começassem 
a luzir. Ignora-se a terra em que nasceu. Em Lisboa? Em Coimbra? Em 
Santarem? Ninguem o pode á justa discriminar. E é bem que assim 
acontecesse, para que nenhuma povoação se possa gloriar, de que o 
poeta lhe pertence a melhor titulo do que a toda a patria, que illustrou. 
Perguntam-nos onde o Camões viu a primeira luz? Respondemos e 
basta: Em Portugal. Que nos importa discernir se era vulgar ou
generoso o sangue do poeta? Os monarchas da intelligencia não 
carecem de tronco e dynastia. Não tem pelo espirito nem antecessores 
nem descendentes. Não releva o inquirirmos d'onde veem, já que 
sabemos aonde vão. Nascem da humanidade e vão para a gloria. 
Nascem do pó terreno e mundanal e caminham luminosos á divina 
immortalidade. Sabemos do Camões que foi soldado valentissimo entre 
os mais esforçados e briosos; sabemos que foi a mais subida 
intelligencia em nossa terra, o primeiro épico moderno. Sabemos que 
alcançou conciliar em harmonica união as graças e formosuras da mais 
solta e inventiva imaginação, com as doutrinas mais severas da sciencia 
no seu tempo. Sabemos que em Africa    
    
		
	
	
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