forças muito excede
A Moçambique esta ilha, que se chama
Quíloa, mui conhecida pela fama. 
100
Para lá se inclinava a leda frota;
Mas a Deusa em Citere 
celebrada,
Vendo como deixava a certa rota
Por ir buscar a morte 
não cuidada,
Não consente que em terra tão remota
Se perca a gente 
dela tanto amada.
E com ventos contrários a desvia
Donde o piloto 
falso a leva e guia. 
101
Mas o malvado Mouro, não podendo
Tal determinação levar 
avante,
Outra maldade iníqua cometendo,
Ainda em seu propósito 
constante,
Lhe diz que, pois as águas discorrendo
Os levaram por 
força por diante,
Que outra ilha tem perto, cuja gente
Eram Cristãos 
com Mouros juntamente. 
102
Também nestas palavras lhe mentia,
Como por regimento 
enfim levava,
Que aqui gente de Cristo não havia,
Mas a que a 
Mahamede celebrava.
O Capitão, que em tudo o Mouro cria,
Virando as velas, a ilha demandava;
Mas, não querendo a Deusa 
guardadora,
Não entra pela barra, e surge fora. 
103
Estava a ilha à terra tão chegada,
Que um estreito pequeno a 
dividia;
Uma cidade nela situada,
Que na fronte do mar aparecia,
De nobres edifícios fabricada,
Como por fora ao longe descobria,
Regida por um Rei de antiga idade:
Mombaça é o nome da ilha e da 
cidade. 
104
E sendo a ela o Capitão chegado,
Estranhamente ledo, porque 
espera
De poder ver o povo batizado,
Como o falso piloto lhe
dissera,
Eis vêm batéis da terra com recado
Do Rei, que já sabia a 
gente que era:
Que Baco muito de antes o avisara,
Na forma doutro 
Mouro, que tomara. 
105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem 
coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o 
engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de 
vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a 
vida tão pouca segurança! 
106
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte 
apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade 
avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá 
segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno? 
Canto Segundo 
1
Já neste tempo o lúcido Planeta,
Que as horas vai do dia 
distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às 
gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus 
Noturno a porta abrindo,
Quando as infidas gentes se chegaram
As 
naus, que pouco havia que ancoraram. 
2
Dentre eles um, que traz encomendado
O mortífero engano, assim 
dizia:
"Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino e 
salsa via,
O Rei que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem 
tanta alegria,
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te, e do 
necessário reformar-te. 
3
"E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa 
nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra, tu com toda 
armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e 
cansada,
Diz que na terra podes reformá-la,
Que a natureza obriga a 
desejá-la.
4
"E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo." 
5
Ao mensageiro o Capitão responde
As palavras do Rei 
agradecendo:
E diz que, porque o Sol no mar se esconde,
Não entra 
para dentro, obedecendo;
Porém que, como a luz mostrar por onde
Vá sem perigo a frota, não temendo,
Cumprirá sem receio seu 
mandado,
Que a mais por tal senhor está obrigado. 
6
Pergunta-lhe depois, se estão na terra
Cristãos, como o piloto lhe 
dizia;
O mensageiro astuto, que não erra,
Lhe diz, que a mais da 
gente em Cristo cria.
Desta sorte do peito lhe desterra
Toda a 
suspeita e cauta fantasia;
Por onde o Capitão seguramente
Se fia da 
infiel e falsa gente. 
7
E de alguns que trazia condenados
Por culpas e por feitos 
vergonhosos,
Por que pudessem ser aventurados
Em casos desta 
sorte duvidosos,
Manda dous mais sagazes, ensaiados,
Por que 
notem dos Mouros enganosos
A cidade e poder, e por que vejam
Os 
Cristãos, que só tanto ver desejam. 
8
E por estes ao Rei presentes manda,
Por que a boa vontade, que 
mostrava,
Tenha firme, segura, limpa e branda;
A qual bem ao 
contrário em tudo estava.
Já a companhia pérfida e nefanda
Das 
naus se despedia e o mar cortava:
Foram com gestos ledos e fingidos,
Os dous da frota em terra recebidos. 
9
E depois que ao Rei apresentaram,
Co'o recado, os presentes que 
traziam,
A cidade correram, e notaram
Muito menos daquilo que 
queriam;
Que os Mouros cautelosos se guardaras
De lhes 
mostrarem tudo o que pediam:
Que onde reina a malícia, está o receio,
Que a faz imaginar no peito alheio.
10
Mas aquele que sempre a mocidade
Tem no rosto perpétua, e foi 
nascido
De duas mães, que urdia a falsidade
Por ver o navegante 
destruído,
Estava numa casa da cidade,
Com rosto humano e hábito 
fingido,
Mostrando-se Cristão, e fabricava
Um altar sumptuoso, que 
adorava. 
11
Ali tinha em retrato afigurada
Do alto e Santo Espírito a pintura:
A cândida pombinha debuxada
Sobre a única Fénix, Virgem pura;
A companhia santa está pintada
Dos doze, tão torvados na figura,
Como os que, só das línguas que caíram,
De fogo, várias línguas 
referiram. 
12
Aqui os dous companheiros conduzidos
Onde com este engano 
Baco estava,
Põem em terra os giolhos, e os sentidos
Naquele Deus 
que o mundo governava.
Os cheiros excelentes, produzidos
Na 
Pancaia odorífera, queimava
O Tioneu,    
    
		
	
	
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