na cilada. 
81
"E se inda não ficarem deste jeito
Destruídos, ou mortos
totalmente
Eu tenho imaginado no conceito
Outra manha e ardil, 
que te contente:
Manda-lhe dar piloto, que de jeito
Seja astuto no 
engano, e tão prudente,
Que os leve aonde sejam destruídos,
Desbaratados, mortos, ou perdidos." 
82
Tanto que estas palavras acabou,
O Mouro, nos tais casos sábio 
e velho,
Os braços pelo colo lhe lançou,
Agradecendo muito o tal 
conselho;
E logo nesse instante concertou
Para a guerra o belígero 
aparelho,
Para que ao Português se lhe tornasse
Em roxo sangue a 
água, que buscasse. 
83
E busca mais, para o cuidado engano,
Mouro, que por piloto à 
nau lhe mande,
Sagaz, astuto, e sábio em todo o dano,
De quem 
fiar-se possa um feito grande.
Diz-lhe que acompanhando o Lusitano,
Por tais costas e mares com ele ande,
Que, se daqui escapar, que lá 
diante
Vá cair onde nunca se alevante. 
84
Já o raio Apolíneo visitava
Os montes Nabatêos acendido,
Quando o Gama, colos seus determinava
De vir por água a terra 
apercebido.
A gente nos batéis se concertava,
Como se fosse o 
engano já sabido:
Mas pode suspeitar-se facilmente,
Que o coração 
pressago nunca mente. 
85
E mais também mandado tinha a terra,
De antes, pelo piloto 
necessário,
E foi-lhe respondido em som de guerra,
Caso do que 
cuidava mui contrário;
Por isto, e porque sabe quanto erra
Quem se 
crê de seu pérfido adversário,
Apercebido vai como podia,
Em três 
batéis somente que trazia. 
86
Mas os Mouros que andavam pela praia,
Por lhe defender a água 
desejada,
Um de escudo embraçado e de azagaia,
Outro de arco 
encurvado e seta ervada,
Esperam que a guerreira gente saia,
Outros 
muitos já postos em cilada.
E, porque o caso leve se lhe faça,
Põem 
uns poucos diante por negaça,
87
Andam pela ribeira alva, arenosa,
Os belicosos Mouros 
acenando
Com a adarga e co'a hástia perigosa,
Os fortes 
Portugueses incitando.
Não sofre muito a gente generosa
Andar-lhe 
os cães os dentes amostrando.
Qualquer em terra salta tão ligeiro,
Que nenhum dizer pode que é primeiro. 
88
Qual no corro sanguino o ledo amante,
Vendo a formosa dama 
desejada,
O touro busca, e pondo-se diante,
Salta, corre, sibila, 
acena, e brada,
Mas o animal atroce, nesse instante,
Com a fronte 
cornígera inclinada,
Bramando duro corre, e os olhos cerra,
Derriba, 
fere e mata, e põe por terra: 
89
Eis nos batéis o fogo se levanta
Na furiosa e dura artilharia,
A 
plúmbea péla mata, o brado espanta,
Ferido o ar retumba e assovia:
O coração dos Mouros se quebranta,
O temor grande o sangue lhe 
resfria.
Já foge o escondido de medroso,
E morre o descoberto 
aventuroso. 
90
Não se contenta a gente Portuguesa,
Mas seguindo a vitória 
estrui e mata;
A povoação, sem muro e sem defesa,
Esbombardeia, 
acende e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
Que bem 
cuidou comprá-la mais barata;
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O 
velho inerte, e a mãe que o filho cria. 
91
Fugindo, a seta o Mouro vai tirando
Sem força, de covarde e de 
apressado,
A pedra, o pau, e o canto arremessando;
Dá-lhe armas o 
furor desatinado.
Já a ilha e todo o mais desemparando,
A terra 
firme foge amedrontado;
Passa e corta do mar o estreito braço,
Que 
a ilha em torno cerca, em pouco espaço 
92
Uns vão nas almadias carregadas,
Um corta o mar a nado 
diligente,
Quem se afoga nas ondas encurvadas,
Quem bebe o mar, 
e o deita juntamente.
Arrombam as miúdas bombardadas
Os 
pangaios subtis da bruta gente:
Desta arte o Português enfim castiga
A vil malícia, pérfida, inimiga. 
93
Tornam vitoriosos para a armada,
Co'o despojo da guerra e rica 
presa,
E vão a seu prazer fazer aguada,
Sem achar resistência, nem 
defesa.
Ficava a Maura gente magoada,
No ódio antigo mais que 
nunca acesa;
E vendo sem vingança tanto dano,
Somente estriba no 
segundo engano. 
94
Pazes cometer manda arrependido
O Regedor daquela iníqua 
terra,
Sem ser dos Lusitanos entendido,
Que em figura de paz lhe 
manda guerra;
Porque o piloto falso prometido,
Que toda a má 
tenção no peito encerra,
Para os guiar à morte lhe mandava,
Como 
em sinal das pazes que tratava. 
95
O Capitão, que já lhe então convinha
Tornar a seu caminho 
acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha
Para ir buscar o 
Indo desejado,
Recebendo o piloto, que lhe vinha,
Foi dele 
alegremente agasalhado;
E respondendo ao mensageiro a tento,
As 
velas manda dar ao largo vento. 
96
Desta arte despedida a forte armada,
As ondas de Anfitrite 
dividia,
Das filhas de Nereu acompanhada,
Fiel, alegre e doce 
companhia.
O Capitão, que não caía em nada
Do enganoso ardil, 
que o Mouro urdia,
Dele mui largamente se informava
Da Índia 
toda, e costas que passava. 
97
Mas o Mouro, instruído nos enganos
Que o malévolo Baco lhe 
ensinara,
De morte ou cativeiro novos danos,
Antes que à Índia 
chegue, lhe prepara:
Dando razões dos portos Indianos,
Também 
tudo o que pede lhe declara,
Que, havendo por verdade o que dizia,
De nada a forte gente se temia. 
98
E diz-lhe mais, com o falso pensamento
Com que Sinon os 
Frígios enganou:
Que perto está uma ilha, cujo assento
Povo antigo 
cristão sempre habitou.
O Capitão, que a tudo estava a tento,
Tanto
com estas novas se alegrou,
Que com dádivas grandes lhe rogava,
Que o leve à terra onde esta gente estava. 
99
O mesmo o falso Mouro determina,
Que o seguro Cristão lhe 
manda e pede;
Que a ilha é possuída da malina
Gente que segue o 
torpe Mahamede.
Aqui o engano e morte lhe imagina,
Porque em 
poder e    
    
		
	
	
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