vinte combates do cêrco da cidade, em todos em que 
interviera o glorioso batalhão a que pertencia de Voluntarios da Rainha. 
Segundo resam formais attestados, e era proprio do altivo caracter que 
elle nunca desmentiu, em todos esses combates dera aos companheiros 
de armas exemplos de inexcedivel destemor, de arrojada bravura. 
Levantado o cêrco despia os trajos de soldado e quando se lhe afigurou 
terminada a lucta pelas armas, surgiu cheio de enthusiasmo, revelando 
inesperados conhecimentos e como vulto dominante do Repositorio, a 
pelejar no campo das idéas. Pela leitura dos dois artigos transcriptos 
d'essa folha, se ajuizará da originalidade e vigor com que deu começo á 
propaganda exposta no discorrer do tomo. O primeiro descreve o estado 
geral da nossa litteratura naquelle periodo de transição, visando 
norteá-la á luz das novas aspirações e exigencias sociaes, e nas varias 
fórmas em que ella tinha de manifestar-se. O segundo trata da poesia 
em especial, e como se o auctor já então quisesse dar medida do 
poderoso engenho analytico de que era dotado, ao passo que vai 
explanando com extraordinaria erudição e lucidez a famosa questão dos 
classicos e romanticos, vai tambem deduzindo e conglobando as bases 
de uma alta poetica de concepção propria, com o pensamento de afastar 
o genio nascente das aberrações de uma e outra d'aquellas seitas, e de o 
guiar para a fecunda desenvolução litteraria em que meditava. 
A par d'estes artigos abria o novel escriptor nas columnas do 
Repositorio, com a descripção das escholas de ensino elementar da 
Prussia, a campanha em parte descripta no tomo VIII de opusculos, e
que não mais abandonou, em prol da instrucção popular. Provocando o 
confronto da excellencia d'aquellas escholas com a obscuridade das 
nossas, frisava por esse meio o alcance do grave assumpto, pondo em 
relevo perante os homens cultos e aquelles a quem competisse dirigir 
os destinos da nação, o maior dos obstaculos que tinham a vencer para 
assegurar o bom exito das instituições liberaes. O absolutismo politico 
fôra derrubado pelas armas e pelas geniaes concepções legislativas, 
arremessadas contra elle em som de guerra. Chegava o momento de 
lançar novas e grandes idéas, de suggestionar os espiritos para que 
sobre os escombros do derrocado edificio se erguesse gradualmente o 
da liberdade e da civilização. Era com o profundo sentimento, a nitida 
visão d'esta imperiosa necessidade social, que A. Herculano se estreava 
como propagandista no memoravel periodico portuense. 
Maio de 1907. 
O coordenador. 
 
Qual é o estado da nossa litteratura? 
Qual é o trilho que ella hoje tem a seguir? 
*REPOSITORIO LITTERARIO* 
1834 
 
Qual e o estado da nossa litteratura? 
Qual é o trilho que ella hoje tem a seguir? 
Estas duas perguntas pedem nada menos do que a dolorosa confissão da 
decadencia em que se acha em Portugal a poesia e a eloquencia, e o 
encargo difficultoso de indicar os meios de melhoramento no ensino e 
no estudo d'ellas. Sem pretender que sejam as unicas, nem as melhores, 
exporemos a serie das nossas idéas sobre este duplicado objecto.
A convicção de uma verdade litteraria produziu nos seculos XVI e 
XVII um erro na Italia, que, extendendo-se á Hespanha e a Portugal, 
transviou da legitima direcção todos, ou quasi todos os escriptores da 
epocha chamada do seiscentismo. Sentiu-se que a metaphora, a mais 
bella de todas as figuras poeticas e oratorias, a mais repetida, a mais 
necessaria mesmo nos discursos communs da vida, abundava por isso 
nos bons escriptores classicos e modernos, que já nesse tempo 
illustravam a Europa: viu-se que as passagens bellas ou sublimes de 
Horacio, Pindaro e Virgilio, de Dante e Ariosto, deviam-lhe em grande 
parte a sua belleza e sublimidade, e isto era certo; inferiu-se d'ahi que a 
metaphora era o principal e talvez o unico meio da poesia e eloquencia, 
e que ella devia revestir todas as imagens e sujeitar ao seu imperio 
todos os generos, todos os estylos, e isto foi um erro: a vertigem 
metaphorica se apossou dos poetas e oradores, e, por uma consequencia 
natural, o fundo das idéas esqueceu e só se olhou para as fórmas: á 
sombra d'esta mania prosperavam os conceitos e as agudezas, chegando 
as letras a caír numa barbarie, que tanto mais irremediavel parecia por 
ser filha da civilização litteraria já exaggerada. O Zodiaco soberano, Os 
crystaes d'alma, _A Fenix renascida_ e outros muitos escriptos d'esse 
tempo, são lamentaveis monumentos da corrupção de gosto a que 
chegou Portugal no principio do decimo oitavo seculo. 
Porém o mal não foi sem remedio, e os membros da Arcadia fizeram 
volver as letras á severa singeleza das puras fórmas da Grecia. Muito ae 
deve a Garção, Gomes e Quita; mas ninguem tanto como Dinis mostrou 
a superioridade do genio e do gosto que caracterizaram a segunda 
metade do seculo XVIII. Dando os seus principaes cuidados á poesia 
chamada pindarica, genero    
    
		
	
	
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