levou o brio. 
Debaixo da Zona Ardente
Jurar-te-hia amor, e fé;
Mas não tem 
culto na Europa
As Deidades de Guiné; 
Se ás vezes te ponho os olhos,
Não he de amor sinal certo;
São 
dezejos de levar-te
A' caza de João Alberto.[6]
[Nota de rodapé 6: Comprador.] 
A engomada cazaquinha
Te descobre novas faltas;
Para outro corpo 
foi feita,
Dizem-no as feições mais altas. 
Já n'outros pés teus çapatos
Soffrêrão do tempo o açoite;
Cansada, 
fendida sêda,
Mostra dedos côr da noite; 
E pois que a Amor queres dar-te,
Eu te aponto hum Xafariz,
Onde 
aches dignos amantes
Assentados em barris; 
Acharás o Pai Francisco,
Homem a bulhas contrario,
Já duas vezes 
Juiz
Na Irmandade do Rozario; 
Acharás o forro Antonio,
Que o tabaco, e vinho enjôa;
E tem nos 
calmozos Junhos
Caiado meia Lisboa; 
Verás esbelto Crioilo,
Dado ao vento o peito nû,
Levantando 
airosos saltos
No manejo do barubû; 
Que ávidos cães enxotando,
Tem, com braço arregaçado,
Nas êrmas 
praias do Téjo
Cem cavallos esfolado; 
Nestes, vaidoza Domingas,
Assenta bem teu amor;
Chovão settas 
de teus olhos
Em peitos da tua côr; 
Vai da janella da escada
Acolher, com doce agrado,
Os suspiros que 
te envião,
Ao som do londum chorado; 
E deixa de atormentar-me
Com tuas loucas idéas;
Também sinto 
dores proprias,
E escuto pouco as alhêas; 
Sim, Domingas, nós marchamos
Na mesma infeliz estrada;
E do 
amor, que eu te não pago,
Assaz estás bem vingada; 
Tu puzeste em mim teus olhos,
E eu fui pôr em Marcia os meus;
Que me paga mil extremos,
Assim como eu pago os teus; 
Marcia, que em alçando os olhos,
Mil settas nesta alma crava;
E em 
cuja caza tu tens
A dita de ser escrava; 
Tens-me a mim por companheiro;
Temos o mesmo Senhor;
Tu, por 
cazos da fortuna,
Eu, por castigo de Amor; 
E pois que eu não posso amar-te,
Seguirás melhor esteira,
Se de 
meus ternos suspiros
Quizeres ser mensageira; 
Em vendo que ella está só,
Vai-lhe expôr a paixão minha;
Eu peço a 
Amor, que entretanto
Tóme conta na cozinha; 
Amor lavará teus pratos,
E escumará a panella,
Em quanto tu a seus 
pés
Dizes, que eu morro por ella; 
Teus grossos, trombudos beiços,
Lhe vão expôr meus cuidados;
Hão de ser melhor ouvidos,
Que sendo por mim contados; 
Pinta-lhe as lagrimas tristes
Em que meu rosto se lava;
Por hum 
infeliz cativo
Peça huma ditoza escrava; 
Dize-lhe, que não se assuste
De meu cabello nevado;
Jura-lhe que 
não são annos,
Mas penas, que me tem dado; 
Que a cauza das minhas rugas
He o seu desabrimento;
E vai da 
minha velhice
Fazer-me hum merecimento; 
Ah Domingas, se em seu peito
Me fazes achar piedade,
Tambem eu 
juro fazer
A tua felicidade; 
E pois que o teu coração
Sómente he baixo, e grosseiro,
Em preferir 
liberdade
A tão feliz cativeiro; 
Por amor serei mesquinho;
Meus gastos verás cortar;
Para ajuntar-te
quantia
Com que te possas forrar; 
Cheia de teus beneficios
Minha mão agradecida
Te irá pôr em larga 
praça
Rendozo modo de vida; 
E assentada em novo estrado,
De fasquiada madeira,
Ondeando ao 
som do vento
Trémulo tecto de esteira, 
Teus negros, airozos braços,
Chocalhando hum assador,
Encherão 
famintos peitos
De castanhas, e de amor; 
Terás bojudas tigellas
Sobre incendidos tições,
Onde fêrvão em 
cardumes
Saborosos mexilhões; 
Teus doces, sonóros écos,
Sem mentir, apregoaráõ
O azeite de 
Santarem,
O cravo do Maranhão. 
Domingas, segue esse rumo;
Que teu amor reloucado,
Sem te fazer 
venturoza,
Me deixa a mim desgraçado; 
E se sem dó dos meus ais,
Teimas nos projectos teus,
Fallando nos 
teus amores,
Em vez de fallar nos meus; 
Trocando boa amizade
Por entranhado rancor,
Vou descubrir teus 
intentos
A teu austéro Senhor; 
Que em zelo honrozo inflammado,
Sem ser precizo atiçallo,
Vai a 
caza do Lagoia[7]
Trocar-te por hum cavallo. 
[Nota de rodapé 7: Comprador] 
CARTA 
A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado. 
Foi este o ditozo dia,
Que te deo a Espoza bella;
Doce, sólida
alegria,
Para ti, junto com ella,
No mesmo berço nascia; 
Por tua maior ventura,
Natureza lhe quiz pôr,
Entre os Dons da 
Formozura,
Outro dote inda maior,
Que he, alma innocente, e pura; 
Eu sei teu costume antigo,
A Mulher, que he só formoza,
Não vale 
tudo comtigo;
Soubeste escolher Espoza,
Em quem tens Espoza, e 
Amigo; 
Quer sempre ter hum Senhor
Nosso humano coração;
E na ventura 
maior
Inda sente em si hum vão,
Que só enche o casto amor; 
De quantos males te eximes,
Dando ao teu tão bom Senhor?
Damnozas paixões reprimes;
Recebes das mãos do Amor
Os 
prazeres, sem os crimes; 
Céga mocidade errada,
A' conjugal união
Quiz chamar vida cansada;
Diz que he triste escravidão,
De mil pensões carregada. 
Chama á paz hum dissabor;
Diz, que de susto, e desdens
Se 
alimenta o Deos de Amor;
E que a certeza dos bens
Lhes diminue o 
valor; 
Fechão olhos á verdade,
Caminhando apôs seus erros;
E em falsa 
tranquilidade,
Ao som de pezados ferros,
Vão cantando liberdade; 
Mil remórsos na alma estão,
Que inda que o rosto os suffoca,
Roendo as entranhas vão;
Que importa rizo na boca,
Se ha punhaes 
no coração? 
Amor he fogo sublime,
Que nas almas se accendeo;
As outras 
paixões reprime;
Elle he dadiva do Ceo,
O abuzo he que o faz ser 
crime; 
Beija, Amigo, os teus grilhões;
Hum para o outro erão feitos
Os 
vossos bons corações;
Crava em vossos ternos peitos
Santo Amor
os seus farpões; 
Onde achas pessoa estranha,
Que não contrafaça o rosto,
Porque vê, 
que assim te ganha?
Quem he que na pena, ou gosto,
Com verdade 
te acompanha? 
Contas teus cazos sem medo
A quem por amigo passa;
Fiaste-te em 
rosto lêdo;
Foste no meio da praça
Assoalhar teu segredo;    
    
		
	
	
	Continue reading on your phone by scaning this QR Code
 
	 	
	
	
	    Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the 
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.
	    
	    
