empoçada ao pé de 
uma janella, por descuido dos que lhe assistiam, que então o deixaram
só, e sendo muita, e choca, fez-lhe muito mais mal, e logo empeiorou, e 
morreu no dia seguinte». 
A princeza, excitada pelas sensações amorosas e pelos sobresaltos da 
gravidez, redobrou de hysterismos, teve allucinadas visões, pavores 
imaginarios, de que ficou noticia. 
Na véspera do principe cahir doente, estando elle a dormir, julgou ella 
vêr, á luz da tocha que allumiava a camara conjugal, surgir uma figura 
de mulher vestida de luto, com larga touca, a qual mulher, crescendo 
em vulto, ameaçadora, fez estrincar os dedos e, após um assopro que 
parecia o halito quente d'uma féra, desappareceu. 
A princeza ficou n'uma grande perturbação de terror, julgando 
verdadeira a visão, e interpretou-a no sentido de que o assopro 
annunciava que todas as suas esperanças haviam de desfazer-se em 
vento. 
Quanto ao trinco com os dedos não interpretou coisa nenhuma ou as 
chronicas o não dizem. 
Tendo fallecido o principe D. João[22] sem que a princeza o soubesse 
ao certo, posto o suspeitasse, e já nas vésperas do parto, as damas que 
acompanhavam D. Joanna quizeram leval-a a espairecer na Varanda da 
Pella, do Paço da Ribeira, 
[22] O principe falleceu em terça feira 2 de janeiro de 1554, dezoito 
dias antes do parto da princeza. 
O palacio dos pricipes era o de Alvaro Peres de Andrade, junto ao Arco 
dos Pregos, mas communicava interiormente com o palacio real. 
A princeza, profundamente abatida, deixou-se conduzir. A noite e o 
silencio favoreceram ainda d'esta vez o terror, sempre contagioso, 
mórmente entre as impressionaveis damas, que os tristes 
acontecimentos da côrte traziam sobresaltadas. 
Bastaria, portanto, que a princeza tivesse uma visão, para que logo
fossem egualmente suggestionadas as suas damas, portuguezas e 
castelhanas. 
Assim, pois, todas julgaram vêr sahir pela Varanda d'El-rei, direitos ao 
Forte[23], muitos homens vestidos á moirisca, com fatos de variegadas 
cores, agitando tochas accêsas e soltando repetidas vozes de--_Ly, ly, 
ly_. Eira uma especie de dança macabra, em que os moiros 
revoluteavam, despedindo clarões e gritos; e quando a chorea, 
percorrendo a Varanda, chegava ao Forte, os moiros precipitavam-se ao 
Tejo, deixando no silencio da noite uma atmosphera soturna de terror e 
mysterio. 
[23] O Forte, nome que depois conservou o torreão mandado construir 
por Filippe II, rematava sobre o Tejo, uma vasta galeria com terraço, a 
meio do qual se erguia uma torre ameiada. 
As damas fizeram decerto alarma. Acudiria gente do Paço, que não 
soube explicar a apparição sinistra dos moiros. Reconheceu-se que as 
portas estavam fechadas; que o ingresso de estranhos era impossivel. 
Então cresceria o pavor, e com elle a predisposição para repetir-se a 
visualidade no mesmo local e nas mesmas condições. 
Foi o que aconteceu. Poucos dias depois tornou a princeza á Varanda 
da Pella, fez algum exercicio passeiando; depois sentou-se a uma das 
janellas e então se lhe renovou a visão dos moiros, com os mesmos 
trajes, as mesmas tochas, os mesmos gritos--na mesma farandola 
sinistra. 
A princeza e as suas damas fugiram espavoridas sob a mesma 
suggestão, pelo contagio do terror. Todas «tinham visto» segunda vez 
os moiros. Lembra-nos, por analogia, um facto que Renan refere nos 
_Apostolos_. Entre os protestantes perseguidos correu voz de que, nas 
ruinas de um templo destruido recentemente, se ouviam psalmos 
cantados pelos anjos; tanto bastou para que todos os protestantes que se 
aproximavam d'aquellas ruinas, ouvissem os psalmos. 
O rei e a rainha, informados do que se passava, recommendaram 
segredo.
Convinha não excitar mais a superstição popular, que já estava muito 
exaltada por varios factos anteriores, taes como o desacato praticado 
por um inglez, logo depois do casamento do principe na capella do 
Paço; e a apparição de um meteóro luminoso que todas as noites era 
visivel em Lisboa, quasi em cima da Sé, e parecia tomar a fórma de um 
athaúde. 
Dos nove filhos legitimos de D. João III ficára apenas um, o principe D. 
João, e o povo já sabia que elle tinha morrido tambem, posto se 
occultasse a sua morte. 
Se o parto da princeza se mallograsse, acabar-se-ia a successão directa. 
Portugal perderia a sua independencia, não porque el-rei não tivesse 
irmãos, que poderiam succeder-lhe no throno, mas porque pelo contrato 
de casamento da princeza D. Maria, filha de D. João III, com Filippe II, 
a corôa portugueza passaria para D. Carlos, filho d'aquella princeza. 
Por isso o povo, cuidadoso de ver garantida a independencia do reino, 
«desejava» que a princeza D. Joanna desse á luz um filho varão. 
O arcebispo de Lisboa ordenára uma procissão de préces, que se 
effectuaria logo que a princeza começasse a sentir as dores do parto. 
Pela meia noite de 19 a 20 de janeiro[24] de 1554, quando os sinos dos 
conventos tocavam a matinas, houve rebate de que a princeza 
experimentava os primeiros symptomas    
    
		
	
	
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