Sousa». 
Achei-a em copia n'uma miscellanea, que pertenceu ao convento da 
Graça, de Lisboa, e que eu comprei ao Rodrigues do Pote das Almas 
por dez tostões. Se exceptuarmos a carta de Chiado, a miscellanea vale
pouco. Mas eu, folheando-a, li o titulo da carta, passei-a rapidamente 
pela vista, reconheci que o texto concordava com o titulo, e adquiri 
logo o livro, que o Rodrigues teria vendido mais caro se pudesse 
adivinhar a rasão por que eu o comprava. 
D'isso era elle capaz, Deus lhe fale na alma. 
Antes de transcrever a carta que o Chiado escreveu a um seu amigo de 
Coimbra, preciso esclarecer o leitor sobre o assumpto que a inspirou e o 
momento em que foi escripta. 
O mallogrado principe D. João, filho de D. João III, desposou sua 
prima a linda princeza D. Joanna de Castella, que veiu a ser mãe de D. 
Sebastião o _Desejado_. 
A princeza entrou em Portugal no fim de novembro de 1553[15]. 
[15] Francisco de Andrade diz que foi em 1552; Pedro de Mariz que foi 
em 1554. Mas a carta de Chiado, que merece fé por ser um documento 
da epoca, fixa o anno de 1553. 
El-rei mandou que fossem buscal-a á fronteira D. João de Lencastre, 
duque de Aveiro, e o bispo de Coimbra D. Frei João Soares, os quaes 
se fizeram acompanhar de pessoas de categoria, entre as quaes D. 
Affonso de Lencastre e D. Luiz de Lencastre, irmãos do duque de 
Aveiro. 
Na fronteira, D. Diogo Lopes Pacheco, duque de Escalona, e D. Pedro 
da Costa, bispo de Osma, fizeram entrega da princeza aos 
embaixadores portuguezes. 
D. Joanna entrou por Elvas, e d'ahi, após breve demora, seguiu em 
jornadas até ao Barreiro, onde D. João III a foi esperar para 
acompanhal-a a Lisboa. 
O professor Manuel Bento de Sousa poz em relevo a fatalidade 
pathologica que desde o berço condemnou D. Sebastião aos desatinos 
que veiu a praticar em detrimento e ruina do paiz.
«D. Sebastião, diz o illustre e fallecido professor, é pela mãe neto de 
um epileptico[16], e a accumulação da hereditariedade morbida 
verificou-se sem perturbação. 
«Sua mãe é filha de epileptico e neta de doidos[17], sua avó é irmã do 
mesmo epileptico e filha dos mesmos doidos, sua bisavó é irmã e filha 
do mesmo epileptico e dos mesmos doidos. Seu avô, por consequencia, 
é neto de doidos, e seu pae é bisneto dos mesmos doidos. 
«Como exemplo de nevropathia accumulada por herança não ha 
melhor[18]!» 
[16] O imperador Carlos V. 
[17] Joanna _a Doida_ e Filippe I, leviano, perdulario, incapaz de 
governar. 
[18] _O Doutor Minerva_, pag. 198. 
Sobre a inconveniencia physiologica dos casamentos consanguineos, 
repetidos de geração em geração entre as casas reaes de Portugal e 
Hespanha, vieram accumular-se, pelo enlace do principe D. João com a 
princeza D. Joanna, as taras hereditarias da epilepsia e da loucura que 
os dois desposados, primos co-irmãos, tinham recebido dos seus 
proximos ascendentes communs. 
A mãe de D. Sebastião deu provas de uma exaltada hysteria, com 
allucinações pavorosas, durante o periodo da gravidez. 
Este casamento precipitou a morte do principe D. João e aggravou as 
taras da princeza D. Joanna. 
Eram duas creanças, ella de 18 annos[19] elle de 16[20], doentes dos 
mesmos vicios constitucionaes, e apaixonados um pelo outro. Não 
conheceram limites ás suas relações amorosas, entregaram-se a uma 
«demasiada communicação» dilacerando-se carinhosamente em 
extremos de prazer insaciavel.
[19] D. Joanna tinha nascido a 23 de junho de 1535. 
[20] D. João nasceu em Evora a 3 de junho de 1537. 
O principe ardia n'um fogo de voluptuosidade, que o devorou 
prematuramente. Foi preciso separal-o da princeza, mas já era tarde. 
Estava perdido na flor dos annos. 
Os medicos d'aquella epocha classificaram a doença de--paixão 
hebetica. Os chronistas explicam que o enfermo sentia uma sêde 
devoradora; e D. Manuel de Menezes, na chronica que lhe é attribuida, 
filia esse phenomeno pathologico no desregramento dos prazeres 
carnaes. 
Ora o hebetismo--segundo a medicina do nosso tempo--é um estado 
morbido, que inutiliza as faculdades intellectuaes, sem comtudo 
inutilizar a acção dos sentidos: uma especie de embrutecimento devido 
a commoção cerebral[21]. 
[21] _Dict. de medicine_, segundo o plano de Nysten, refundido por 
Littré e Robin. 
Assim devia ser, pois que o principe D. João precipitára a crise dos seus 
males hereditarios com um exgotamento nervoso. 
Mas a--sêde devoradora--_polydipsia_, é um symptoma da diabetes 
saccharina, que anda muitas vezes ligada ás nevroses e, principalmente, 
á epilepsia. 
Não repugna acreditar que a sêde exagerada e continua, que abrazava o 
principe, derivasse d'esse conjuncto pathologico recebido por herança e 
aggravado por excessos. 
E que os chronistas não empregavam a palavra sêde em sentido 
figurado, vê-se d'estas palavras da chronica attribuida a D. Manuel de 
Menezes: «mas elle (o principe) perseguido da sêde levantou-se uma 
manhã da cama a beber agua da chuva, que achou    
    
		
	
	
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