O Livro de Cesário Verde | Page 9

Cesario Verde
fremente,?As patadas sonoras da patrulha,
E atravez a immortal cidadesinha,?Nós fomos ter ás portas, ás barreiras,?Em que uma negra multid?o se apinha?De tecel?es, de fumos, de caldeiras.
Mas a noite dormente e esbranqui?ada?Era uma esteira lucida d'amor;?ó jovial senhora perfumada,?ó terrivel crean?a! Que esplendor!
E ali come?aria o meu desterro!...?Lodoso o rio, e glacial, corria;?Sentámo-nos, os dois, n'um novo aterro?Na muralha dos caes de cantaria.
Nunca mais amarei, já que n?o me amas,?E é preciso, decerto, que me deixes!?Toda a maré luzida como escamas,?Como alguidar de prateados peixes.
E como é necessario que eu me afoite?A perder-me de ti por quem existo,?Eu fui passar ao campo aquella noite?E andei leguas a pé, pensando n'isto.
E tu que n?o serás sómente minha,?ás caricias leitosas do luar,?Recolheste-te, pallida e sósinha?á gaiola do teu terceiro andar!
MANHANS BRUMOSAS
Aquella, cujo amor me causa alguma pena,?P?e o chapeo ao lado, abre o cabello á banda,?E com a forte voz cantada com que ordena,?Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda,?Por entre o campo e o mar, bucolica, morena,?Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.
Que linguas fala? A ouvir-lhe as inflex?es inglezas,?--Na Nevoa azul, a ca?a, as pescas, os rebanhos!--?Sigo-lhe os altos pés por estas asperezas;?E o meu desejo nada em epoca de banhos,?E, ave de arriba??o, elle enche de surprezas?Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos.
As irlandezas teem soberbos desmazelos!?Ella descobre assim, com lentid?es ufanas,?Alta, escorrida, abstracta, os grossos tornozelos;?E como aquellas s?o maritimas, serranas,?Suggere-me o naufragio, as musicas, os gelos?E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas.
Parece um ?rural boy?! Sem brincos nas orelhas,?Traz um vestido claro a comprimir-lhe os flancos,?Bot?es a tiracollo e applica??es vermelhas;?E á roda, n'um paiz de prados e barrancos,?Se as minhas maguas v?o, mansissimas ovelhas,?Correm os seus desdens, como vitellos brancos.
E aquella, cujo amor me causa alguma pena,?P?e o chapeo ao lado, abre o cabello á banda,?E com a forte voz cantada com que ordena,?Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda,?Por entre o campo e o mar, catholica, morena,?Uma pastora de audaz da religiosa Irlanda.
FRIGIDA
I
Balzac é meu rival, minha senhora ingleza!?Eu quero-a porque odeio as carna??es redondas!?Mas elle eternisou-lhe a singular belleza?E eu turbo-me ao deter seus olhos c?r das ondas.
II
Admiro-a. A sua longa e placida estatura?Exp?e a magestade austera dos invernos.?N?o cora no seu todo a timida candura;?Dansam a paz dos ceos e o assombro dos infernos.
III
Eu vejo-a caminhar, fleugmatica, irritante,?N'uma das m?os franzindo um len?o de cambraia!...?Ninguem me prende assim, funebre, extravagante,?Quando arrega?a e ondula a pregui?osa saia!
IV
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,?Mas nunca a fitarei d'uma maneira franca;?Traz o esplendor do Dia e as pallidez da Noite,?é, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!
V
Podesse-me eu prostrar, n'um meditado impulso,?ó gelida mulher bizarramente estranha,?E tremulo depor os labios no seu pulso,?Entre a macia luva e o punho de bretanha!...
VI
Scintilla no seu rosto a lucidez das joias.?Ao encarar comsigo a phantasia pasma;?Pausadamente lembra o silvo das giboias?E a marcha demorada e muda d'um phantasma.
VII
Metallica vis?o que Charles Baudelaire?Sonhou e presentiu nos seus delirios mornos,?Permitta que eu lhe adule a distinc??o que fere,?As curvas de magreza e o lustre dos adornos!
VIII
Deslise como um astro, uma astro que declina;?T?o descan?ada e firme é que me desvaria,?E tem a lentid?o d'uma corveta fina?Que nobremente vá n'um mar de calmaria.
IX
N?o me imagine um doido. Eu vivo como um monge,?No bosque das fic??es, ó grande flor do Norte!?E, ao, perseguil-a, penso acompanhar de longe?O socegado espectro angelico da Morte!
X
O seu vagar occulta uma elasticidade?Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,?E a sua glacial impassibilidade?Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.
XI
Porem, n?o arderei aos seus contactos frios,?E n?o me enroscará nos serpentinos bra?os:?Receio supportar febr?es e calefrios;?Adoro no seu corpo os movimentos lassos.
XII
E se uma vez me abrisse o collo transparente,?E me osculasse, emfim, flexivel e submisso,?Eu julgaria ouvir alguem, agudamente,?Nas trevas, a cortar peda?os de corti?a!
DE VER?O
A Eduardo Coelho
I
No campo; eu acho n'elle a musa que me anima:
A claridade, a robustez, a ac??o.?Esta manh?, saí com minha prima,?Em que eu noto a mais sincera estima?E a mais completa e séria educa??o.
II
Crean?a encantadora! Eu mal esbo?o o quadro
Da lyrica excurs?o, d'intimidade?N?o pinto a velha ermida com seu adro;?Sei só desenho de compasso e esquadro,?Respiro industria, paz, salubridade.
III
Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras;
E tu dizias: ?Fumas? E as fagulhas??Apaga o teu cachimbo junto ás eiras;?Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!?Quando me alegra a calma das debulhas!?
IV
E perguntavas sobre os ultimos inventos
Agrícolas. Que aldeias t?o lavadas!?Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!?Olha: Os saloios vivos, corpulentos,?Como nos fazem grandes barretadas!
V
Voltemos. Na ribeira abundam as ramagens
Dos olivaes escuros. Onde irás??Regressam os rebanhos das pastagens;?Ondeiam milhos, nuvens e miragens,?E, silencioso, eu fico para traz.
VI
N'uma collina azul brilha um logar caiado.
Bello! E arrimada ao cabo da sombrinha,?Com teu chapéo de palha, desabado,?Tu continúas na azinhaga; ao lado?Verdeja, vicejante, a nossa vinha.
VII
N'isto, parando, como alguem que se analysa,
Sem desprender
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 19
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.