O Livro de Cesário Verde | Page 7

Cesario Verde
o ramo de hortel? que cheira,?Voltando-se, gritou-me prazenteira:??N?o passa mais ninguem!... Se me ajudasse?!...?
Eu acerquei-me d'ella, sem desprezo;?E, pelas duas azas a quebrar,?Nós levantámos todo aquelle peso?Que ao ch?o de pedra resistia preso,?Com um enorme esfor?o muscular.
?Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!??E recebi, náquella despedida,?As for?as, a alegria, a plenitude,?Que brotam d'um excesso de virtude?Ou d'uma digest?o desconhecida.
E em quanto sigo para o lado opposto,?E ao longe rodam umas carruagens,?A pobre afasta-se, ao calor de agosto,?Descolorida nas ma??s do rosto,?E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira?D'uma janella azul; e, com o ralo?Do regador, parece que joeira?Ou que borrifa estrellas; e a poeira?Que eleva nuvens alvas e incensal-o.
Chegam do gigo emana??es sadias,?Oi?o um canario--que infantil chilrada!--?Lidam ménages entre as gelosias,?E o sol estende, pelas frontarias,?Seus raios de laranja distillada.
E pittoresca e audaz, na sua chita,?O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,?D'uma desgra?a alegre que me incita,?Ella apreg?a, magra, enfezadita,?As suas couves repolhudas, largas.
E como as grossas pernas d'um gigante,?Sem tronco, mas athleticas, inteiras,?Carregam sobre a pobre caminhante,?Sobre a verdura rustica, abundante,?Duas frugaes aboboras carneiras.
CRYSTALISA??ES
A Bettencourt Rodrigues
Faz frio. Mas, depois d'uns dias de aguaceiros,?Vibra uma immensa claridade crua.?De cocaras, em linha os calceteiros,?Com lentid?o, terrosos e grosseiros,?Calcam de lado a lado a longa rua.
Como as eleva??es seccaram do relento,?E o descoberto sol abafa e cria!?A frialdade exige o movimento;?E as po?as d'agua, como em ch?o vidrento,?Reflectem a molhada casaria.
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,?Disseminadas, gritam as peixeiras;?Luzem, aquecem na manh? bonita,?Uns barrac?es de gente pobresita.?E uns quintalorios velhos com parreiras.
N?o se ouvem aves; nem o choro d'uma nora!?Tomam por outra parte os viandantes;?E o ferro e a pedra--que uni?o sonora!--?Retinem alto pelo espa?o fóra,?Com choques rijos, asperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapag?es, morosos, duros, ba?os,?Cuja columna nunca se endireita,?Partem penedos; cruzam-se estilha?os.?Pesam enormemente os grossos ma?os,?Com que outros batem a cal?ada feita.
A sua barba agreste! A l? dos seus barretes!?Que espessos forros! N'uma das regueiras?Acamam-se as japonas, os colletes:?E elles descal?am com os picaretes,?Que ferem lume sobre pederneiras.
E n'esse rude mez, que n?o consente as flores,?Fundêam, como a esquadra em fria paz,?As arvores despidas. Sobrias c?res!?Mastros, enxarcias, vergas! Valladores?Atiram terra com as largas pás.
Eu julgo-me no Norte, ao frio--o grande agente!--?Carros de m?o, que chiam carregados,?Conduzem saibro, vagarosamente;?Vê se a cidade, mercantil, contente:?Madeiras, aguas, multid?es, telhados!
Negrejam os quintaes, enxuga e alvenaria;?Em arco, sem as nuvens fluctuantes,?O ceu renova a tinta corredia;?E os charcos brilham tanto, que eu diria?Ter ante mim lag?as de brilhantes!
E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos,?Eu tudo encontro alegremente exacto.?Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.?E tangem-me, excitados, sacudidos,?O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!
Pede-me o corpo inteiro esfor?os na friagem?De t?o lavada e egual temperatura!?Os ares, o caminho, a luz reagem;?Cheira-me a fogo, a silex, a ferragem;?Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.
Mal encarado e negro, um pára emquanto eu passo;?Dois assobiam, altas as marretas?Possantes, grossas, temperadas d'a?o;?E um gordo, o mestre, com um ar de rala?o?E manso, tira o nivel das valletas.
Homens de carga! Assim as bestas v?o curvadas!?Que vida t?o custosa! Que diabo!?E os cavadores pousam as enxadas,?E cospem nas callosas m?os gretadas,?Para que n?o lhes escorregue o cabo.
Povo! No panno cru rasgado das camizas?Uma bandeira penso que transluz!?Com ella soffres, bebes, agonisas:?Listr?es de vinho lan?am-lhe divisas,?E os suspensorios tra?am-lhe uma cruz!
D'escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,?Surge um perfil direito que se agu?a;?E ar matinal de quem sahiu da toca,?Uma figura fina, desemboca,?Toda abafada n'um casaco á russa.
D'onde ella vem! A actriz que tanto comprimento?E a quem, á noite na plateia, attraio?Os olhos lizos como polimento!?Com seu rostinho estreito, friorento,?Caminha agora para o seu ensaio.
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados?Como laj?es. Os bons trabalhadores!?Os filhos das lezirias, dos montados;?Os das planicies, altos, aprumados;?Os das montanhas, baixos, trepadores!
Mas fina de fei??es, o queixo hostil, distincto,?Furtiva a tiritar em suas pelles,?Espanta-me a actrizita que hoje pinto,?N'este dezembro energico, succinto,?E n'estes sitios suburbanos, reles!
Como animaes communs, que uma picada esquente,?Elles, bovinos, masculos, ossudos,?Encaram-n'a sanguinea, brutamente:?E ella vacilla, hesita impaciente?Sobre as botinhas de tac?es agudos.
Porém, desempenhando o seu papel na pe?a,?Sem que inda o publico a passagem abra,?O demonico arrisca-se, atravessa?Covas, entulhos, lama?aes, depressa,?Com seus pésinhos rapidos, de cabra!
NOITES GELIDAS
MERINA
Rosto comprido, airosa, angelical, macia,?Por vezes, a allem? que eu sigo e que me agrada,?Mais alva que o luar de inverno que me esfria,?Nas ruas a que o gaz dá noites de ballada;?Sob os abafos bons que o Norte escolheria,?Com seu passinho curto e em suas l?s forrada,?Recorda-me a elegancia, a gra?a, a galhardia?De uma ovelhinha branca, ingenua e delicada.
SARDENTA
Tu, n'esse corpo completo,?ó lactea virgem doirada,?Tens o lymphatico aspecto?D'uma camelia melada.
FLORES VELHAS
Fui hontem visitar o jardimzinho agreste,?Aonde tanta vez a luz nos beijou,?E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,?Soberba como um sol, serena como um v?o.
Em tudo scintillava o limpido poema?Com osculos
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