Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses no Terramoto de 1755 | Page 5

Cristóvão Aires

Lisboa. Já tinha fallecido quando foi do terremoto; mas a cidade já se
embellezara com a sua arte.
«Se pelas obras que os architectos edificão para sua propria habitação,
escolhendo a localidade, e sem outra sugeição que as suas forças, se
pode julgar do seu merito, diz Ratton, indicarei as que entrão neste caso,
relativas aos quatro architectos do meu tempo, empregados pelo
Governo. João Pedro (aliás João Frederico) Ludovici, que já era
architecto no Reinado do Senhor D. João V, e o continuou a ser até
depois do terremoto de 1755, construiu para sua morada aquella barraca,
na calçada da Ajuda, aonde assistio Martinho de Mello e Castro, e
edificou huma casa de fronte da torre de S. Roque que tem todo o ar de
nobre; e creio que em razão desta obra se construiu a muralha de S.
Pedro de Alcantara com o pretexto de se fazer alli hum passeio, o qual
se não chegou a realizar; mas que seria bem util pelo ponto de vista que
offerece. Tambem supponho que foi este architecto quem projeitou e
deo o plano das obras dos arcos das aguas livres; mas se não foi elle,
foi pelo menos o que as continuou. Eugenio dos Santos que deo a
planta da reedificação da cidade construio humas grandes casas de
cimo da calçada da Estrella, com muito má serventia para carroagens, e
sem outra luz na escada que a que entra pelas sobrepostas. Carlos
Mardel edificou para a sua habitação aquella casa que se acha ao lado
oriental da Igreja de St.^a Isabel junto ao cemiterio, e por baixo da torre
dos sinos. Manoel Caetano edificou as de que já fallei. Á vista do que
todos convirão comigo que o que tinha melhor tino era João Pedro
Ludovici.»
João Frederico Ludovice, o notavel architecto do convento de Mafra,
era desde 11 de setembro de 1750 architecto-mór do reino com patente,
soldo e graduação de brigadeiro de infantaria, na primeira plana da
Côrte; nascera na Allemanha, de familia francesa, e naquelle país
exercia a profissão de engenheiro militar, tendo porem vindo para
Portugal chamado pelos jesuitas pela sua especial pericia de ourives,
metallista; mas os seus variados talentos postos em acção entre nós lhe

deram o justo galardão de se reconhecer que «á sua doutrina se devem
o grande adiantamento em que se achavam as artes em Portugal[9]».
E não só em Lisboa, mas em outros pontos do país eram requeridos os
serviços dos nossos engenheiros militares, quer na sua especialidade,
quer noutros ramos do serviço. Assim, tendo o terremoto arrasado a
villa de Setubal, foi João Alexandre de Chermont, coronel de infantaria
com exercicio de engenheiro, mandado em 14 de novembro de 1755
tomar conta d'aquella villa, com jurisdição completa, para adoptar as
providencias necessarias[10].
E nesse calamitoso periodo, e antes e depois, e sempre, de engenheiros
militares se valeu o governo para os serviços da maior
responsabilidade.
De tres engenheiros, encarregados em 1761 da demarcação das quatro
leguas exclusivas do districto concedido á Companhia da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro, á roda da cidade do Porto, temos noticia:
são o sargento-mor de infantaria e engenheria Francisco Xavier do
Rego, e os seus ajudantes, o tenente Adão Wencelao Hetsk e Francisco
Pinheiro da Cunha. Por curiosidade reproduziremos adeante o resultado
d'essa demarcação, que em manuscrito se conserva na Academia Real
das Sciencias de Lisboa[11].
E de quantos outros não poderiamos dar aqui informação. De grande
numero d'elles daremos noticia na nossa Historia da Engenharia
Militar.
* * * * *
Quando, das ruinas d'esse horrivel terremoto, a energica vontade do
Marquês de Pombal fez erguer, alinhada, garrida e bella, a nova cidade,
os engenheiros militares foram os auxiliares principaes d'essa vontade
de ferro. O engenheiro-mor Manuel da Maia e os seus officiaes
dirigiram e executaram as principaes obras.
Por decreto de 29 de novembro de 1755 era ordenado que «os
Ministros, que se achavam encarregados da inspecção de cada um dos

bairros da capital, de commum accordo com os officiaes de Infantaria
com exercicio de Engenheiros, destinados para esta deligencia,
fizessem logo, e sem perda de tempo, cada qual delles uma exacta
discripção do respectivo bairro de que se achava encarregado,
declarando-se nella distincta e separadamente a largura e comprimento
de cada uma das praças, ruas, beccos e edificios publicos, que nelle se
continham; e cada uma das propriedades particulares que existam nas
sobreditas ruas, praças e beccos, com a especificação da frente e do
fundo que a ellas pertencia, comprehendendo nessa medição os
quintaes, onde os houvesse, com as elevações ou alturas de cada uma
das propriedades, e com especificação das paredes que fossem ou
proprias de cada edificio, ou commum a ambos os dois visinhos
confrontantes».
Assim se conseguiu evitar as reclamações e pleitos que decerto depois
levantariam os proprietarios com respeito
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