Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses no Terramoto de 1755 | Page 4

Cristóvão Aires
flexibilidade e
equilibrio, cabendo evidentemente aos engenheiros que trabalharam na
obra da reedificação essa iniciativa. Ao engenheiro Carlos Mardel, que
tão largo quinhão teve nesses trabalhos, sobretudo depois da morte do
engenheiro Eugenio dos Santos e Carvalho[4], é attribuida essa
innovação[5]; mas não ha, que nos conste, documento que o prove. Na
importante dissertação inedita de Manuel da Maya, que adeante
publicamos, relativa aos trabalhos para a reedificação de Lisboa, ha

referencia a edificios de madeira e aos de pedra e cal, e se fala do
«horror em [~q] se achava o publico contra edificios [~q] não fossem
de simples madeira», o que parece evidente não se referir á adopção das
gaiolas de madeira para a edificação; mas ás barracas de madeira que se
tinham construido. Seria dessa preferencia pelas construcções de
madeira, principalmente empregadas para resistir aos embates do mar,
nas praias, que teria vindo originariamente, entre nós, a ideia da
armação de madeira p.^a as nossas edificações, independentemente do
que se passava noutros paises? E porque não? Temos geralmente
tendencia para desluzirmos as nossas iniciativas proprias, querendo
attribuir a sua paternidade a estrangeiros; mas em cerebros portugueses
tambem germinam ideias novas, como o prova o nonio, o aerostato de
Bartholomeu de Gusmão, e tantas outras. Mas tambem pode ser que
fosse realmente á experiencia por Carlos Mardel adquirida na Hollanda
que se devesse a innovação.
Carlos Mardel, natural da Hungria, como diz a tradição, ou de origem
francesa, como suspeita o Sr. Sousa Viterbo[6], deixou o seu nome
ligado aos trabalhos da reconstituição da cidade, como o ligou tambem
a outras importantes obras publicas e particulares; pois que, alem de
architecto das Aguas Livres, dos paços reaes e das tres ordens militares,
e de varias obras religiosas, como veremos, foi medidor das fortalezas
da barra, fallecendo no posto de coronel de infantaria com exercicio de
engenheiro. Entre as obras notaveis que traçou estão as da
reconstrucção do Real Collegio de S. Paulo de Coimbra em 1752.
[Figura: Carlos Mardel]
Em novembro de 1755 foi o engenheiro Carlos Mardel encarregado
pelo Cardeal Patriarcha de Lisboa de ver o estado em que estava a
Igreja de S. Bento depois do terremoto, sobre o que elle informou que
«achou toda a igreja em muito bom estado, sem ter recebido damno
algum e em excellente estado de servir; porem a sacristia he a peyor e
incapaz de servir, e em lugar della achei hum grande refeitorio e casa
de profundis diante do Refeitorio, ambas escusadas para os Padres do
dito Mosteiro, as quaes são misticas ao lado da Epistola da Capella mór;
e abrindo-se porta para a Igreja no mesmo lado, temos tudo o que for

mister para accommodar a Patriarchal, e ainda com mais abundancia do
que aonde estava antes».--Em vista disso passaram para aquella igreja
os officios da Patriarchal.
Succedeu porem que sendo a informação de Carlos Mardel de 17 de
novembro, no dia 19 desse mesmo mez ia o capitão engenheiro
Eugenio dos Santos e Carvalho informar o Patriarcha de que, embora
concordasse com o parecer do seu collega quanto á segurança do corpo
e cruzeiro da referida Igreja, «se lhe fazia suspeitosa uma parede da
Capella que, sendo ordinaria, se pode reparar com modica
despeza».--Foi este parecer seguido; e fez-se a obra completa sob a
direcção do então tenente coronel Carlos Mardel e do capitão Eugenio
dos Santos[7].
Entre as curiosidades apresentadas na Exposição de Cartographia da
Sociedade de Geographia, em 1903, figurava uma Planta topographica
da cidade de Lisboa arruinada, e tambem segundo o novo alinhamento
dos architectos Eugenio dos Santos e Carvalho e Carlos Mardel, feito
por João Pedro Ribeiro. Pertence á Direcção dos Trabalhos
Geodesicos[8].
[Figura: João Frederico Ludovici, Architecto-mor]
Mas embora os nomes de Eugenio dos Santos e Carvalho e Carlos
Mardel, que Manuel da Maya considerava «alem de engenheiros de
profissão, os primeiros architectos na architectura civil», sejam os que
mais soam e mais elevado quinhão representam nesses memoraveis
trabalhos herculeos, muitos foram os engenheiros militares que nelles
tiveram parte sob a direcção de Manuel da Maya. Na importante
Memoria d'este celebre engenheiro-mor, que em seguida publicamos,
veem citados, alem dos nomes de Mardel e Eugenio dos Santos, os do
capitão Elias Sebastião Pope e Pedro Gualter da Fonseca, e praticantes
Francisco Pinheiro da Cunha e José Domingos Pope, como tendo sido
por elle eleitos para o auxiliarem na monumental obra da reconstrucção
da cidade. Reynaldo Manuel se chamava, como vimos, o engenheiro
nomeado p.^a substituir Carlos Mardel nas obras da reconstrucção de
Lisboa, quando este morreu em 1763. Jacome Ratton fala com
encarecimento de um engenheiro militar, estrangeiro mas que muitos

serviços prestou entre nós. E João Frederico Ludovici, o celebre
architecto de Mafra, e que Ratton apresenta como sendo o que mais
geito e arte mostrou na traça e edificação das casas particulares em
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