recebe elle a bordo as pessoas de terra, e 
faz-lhes as honras da sua morada com a satisfação e liberalidade que o 
caracterisa. 
As festas de bordo fazem-se sempre _com a prata da casa_, e comtudo 
é por extremo agradavel a vista que offerece um navio preparado para 
celebrar qualquer data memoravel, ou para festejar a visita de um 
personagem. Galhardetes e bandeiras com as côres symetricamente 
dispostas adornam os mastros; outros forram os toldos e formam 
sanefas pelas amuradas; lustres e troféus feitos com armas e 
instrumentos nauticos transformam a tolda do navio em salão de baile 
elegantemente adornado; os proprios pandeiros de cabos colhidos com 
arte desenham no nitido convez florões e iniciaes, ou servem de divans 
aos convidados. Os altos personagens são recebidos com marchas 
tocadas pelas cornetas e tambores, com musicas executadas pelas 
charangas, com revista da guarnição a postos de combate, com salvas 
de artilheria. De noite illumina-se o mar com foguetes e tigellinhas. De 
tudo isto fallou Camões. 
Começa a embandeirar-se toda a armada,
E de toldos alegres se 
adornou
Por receber com festas e alegria;
(Lus. I, 39.) 
Sonorosas trombetas incitavam
Os animos alegres, resoando; 
(Lus. II, 100.) 
Outros
Instrumentos altinosos tangiam. 
(Lus. II, 90.) 
Vem arnezes, e peitos reluzentes,
Malhas finas e laminas seguras,
Escudos de pinturas differentes,
Pelouros e espingardas de aço puras,
Arcos e sagittiferas aljavas,
Partazanas agudas, chuças bravas;
As 
bombas vem de fogo e juntamente
As panellas sulphuras tão 
damnosas. 
(Lus. I, 67, 68.) 
Não faltam ali os raios de artificio
Os tremulos cometas imitando;
Fazem os bombardeiros seu officio,
O céu, a terra, e as ondas 
atroando 
(Lus. XI, 90.) 
Ás salvas de bordo _agradecem_ as fortalezas de terra, salvando 
tambem: 
Respondem-lhe de terra juntamente
Co'o raio volteando com zonido; 
(Lus. II, 91.) 
e o canhão faz ouvir tanto e tão repetidas vezes a sua voz atroadora que 
as festas e cumprimentos entre gente maritima são sempre 
Á maneira de peleja. 
(Lus., ibidem.)
Veja-se agora se n'este assumpto, aliás secundario, esqueceu ao Poeta 
alguma circumstancia notavel! 
IV 
Se dos costumes dos homens do mar passamos aos trabalhos manuaes, 
que constituem a parte pratica da sua arte, vamos encontrar nos 
Lusiadas descripções e allusões a quasi todas as fainas e manobras tão 
variadas, que são necessarias para fazer servir essa complicada machina 
que se chama _navio_. 
É imponente o espectaculo que offerece a tolda de um navio em faina 
geral de fazer-se de véla. Por mais numerosa que seja a guarnição, 
todos tem o seu posto detalhado e todos tem que fazer. Descreve 
Camões essa faina da maneira seguinte: 
Já nas naus os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante, e repartidos
Pelo trabalho, uns puxam pela amarra,
Outros quebram co'o peito a 
dura barra,
Outros pendem da verga e já desatam
A véla. 
(Lus. IX, 10, 11.) 
Está o ferro a _pique_, redobram os esforços dos marinheiros para o 
suspender; 
As ancoras tenaces vão levando, 
(Lus. II, 18.) 
e ao mesmo tempo 
Da proa as vélas _sós_ ao vento dado, 
(Lus., ibidem.) 
obrigam o navio a _fazer cabeça_, e eil-o que vae em demanda da 
barra.
Nos versos que acabamos de citar estão compendiadas todas as 
manobras necessarias para um navio se fazer de véla. Não o faria 
melhor o Bonnefoux ou o Bréart! 
Na descripção da tempestade do canto VI, encontram-se todas as 
manobras de que se lança mão debaixo de tempo. O mestre, que 
presente o golpe de vento, _apita á gente_ e manda _carregar e ferrar 
joanetes_, 
Os traquetes das gaveas tomar manda, 
(Lus. VI, 70) 
Mal estão carregados os joanetes, já o vento está a contas com o navio. 
_Carrega a véla grande!_ 
«Amaina a grande véla!» 
(Lus. VI, 71.) 
Não se carregou a maior a tempo, por isso ella se rasgou, e o navio, 
dando a borda de sotavento, metteu dentro uns poucos de _mares_; 
No romper da véla a nau pendente
Toma grão somma d'agua pelo 
bordo. 
(Lus. VI, 72.) 
É preciso allivial-o, quanto seja possivel, dos pesos, e esgotar a agua. 
Por isso o mestre ordena: 
«Alija tudo ao mar,
Vão outros dar á bomba, não cessando!» 
(Lus., ibidem.) 
e não se esquece de reforçar a _gente do governo_, pondo ao leme 
Tres marinheiros duros e forçosos,
(Lus. VI, 73.) 
passando-lhe ainda para mais segurança 
Talhas d'uma e d'outra parte. 
(Lus., ibidem.) 
Chega o navio a um porto pouco conhecido. Ao _investir_ a barra 
depara-se com uma pedra á flor d'agua. É necessario _safar_ d'ella e 
quanto antes. Aqui é inevitavel alguma confusão; não se sabe para que 
lado será melhor _guinar_, e por isso os marinheiros 
Maream vélas, ferve a gente irada
O leme a um bordo e a outro 
atravessando;
O mestre da poppa brada. 
(Lus. II, 24.) 
Com similhante contratempo é melhor não commetter a barra e 
_fundear em franquia_; por isso o commandante 
Não entra pela barra, e surge fóra. 
(Lus. I, 102.) 
Mas depois de reconhecida a barra já se póde tentar a entrada; então    
    
		
	
	
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