da companhia, a contar uma 
historia interessante, que entretem a todos e faz voar as horas. 
Mas nem tudo são rosas durante a viagem; bem pelo contrario, os 
espinhos são em numero muito superior. Aos dias de bom tempo 
succedem as tempestades, que tornam o marinheiro 
Confuso de temor, da vida incerto 
(Lus. VI, 80.) 
e durante os quaes elle muitas vezes 
Chama aquelle remedio santo e forte
Que o impossivel póde; 
(Lus., ibidem.) 
chama
Aquelle que a salvar o mundo veio 
(Lus. VI, 75.) 
A navegação demorada e aborrecida tem exacerbado as saudades e 
irritado os animos; já se não juntam os grupos pelas amuradas a contar 
historias. Escaceia a aguada, a bolacha está avariada, azedou o vinho; 
vae-se a meia ração e a menos; aproxima-se o terrivel espectro das 
viagens prolongadas, o escorbuto. Assim vivem por muito tempo os 
marinheiros _coitados e perdidos_, 
De fomes, de tormentas quebrantados
E do esperar comprido tão 
cansados,
Quanto a desesperar já compellidos;
Corrupto já e 
damnado o mantimento
Damnoso e mau ao fraco corpo humano,
E 
alem d'isso nenhum contentamento,
Que sequer da esperança fosse 
engano.
(Lus. V, 70, 71.) 
A tudo se resigna o marinheiro e vae 
Soffrendo tempestades e ondas cruas,
Vencendo os torpes frios no 
regaço
Do sul e regiões de abrigo nuas,
Engolindo o corrupto 
mantimento
Temperado c'um arduo soffrimento 
(Lus. VI, 97.) 
E peor é ainda quando chega a terrivel doença, _crua e feia_, de que já 
fallámos, com a qual 
Tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na bôca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia 
c'hum fetido e bruto
Cheiro que o ar visinho inficionava 
(Lus. V, 81, 82.) 
Assim se passam as semanas e os mezes. Anceia o marinheiro por pôr 
termo a uma navegação já aborrecida, por ter algum descanço n'aquelle 
lidar diario. Suspeita-se que está proxima a terra; porfia-se em qual será 
o primeiro que a veja; algum mais desejoso de ganhar as alviçaras sobe 
á _celsa_ gavea, e percorrendo o mar com a vista, enxerga 
Terra alta pela prôa 
(Lus. VI, 92.) 
e logo 
«Terra, terra!» brada 
(Lus. V, 24.) 
Quem ha que fique indifferente a este brado? Os mais occupados 
largam tudo por mão, os que dormem levantam-se estremunhados dos
catres, e 
Salta no bordo alvoroçada a gente
Co'os olhos no horisonte, 
(Lus., ibidem.) 
devorando com elles as fórmas ainda mal distinctas da terra, e 
começando 
Á maneira de nuvens
A descobrir os montes. 
(Lus. V, 25.) 
Deu-se fundo. Acabaram os trabalhos e perigos, e quasi já esqueceram. 
Tudo é curiosidade dos marinheiros em observar as pessoas que de 
terra vem a bordo; 
A gente se alvoroça; e de alegria
Não sabe mais que olhar a causa 
d'ella. 
(Lus. I, 45.) 
Como não podem chegar-se e interrogar esses individuos, porque elles 
estão conversando com o commandante, contentam-se com espreital-os, 
e por isso 
Está a gente maritima
Subida pela enxarcia. 
(Lus. I, 62.) 
Por fim a curiosidade vence o respeito, e elles vão-se chegando pouco a 
pouco para ouvir as novidades; 
A gente se ajunta a ouvir. 
(Lus. VII, 29.) 
Chega depois a noite; são horas de descançar e dormir pela primeira 
vez com socego. Mas o marinheiro esquece-se d'isso para, ou a sós
comsigo, ou dando largas á sua loquacidade, fazer commentarios sobre 
o que viu e ouviu; 
Qualquer então comsigo cuida e nota
Na gente e na maneira 
desusada. 
(Lus. I, 57.) 
Não escapou a Camões a qualidade ou defeito caracteristico do 
marinheiro portuguez, principalmente do algarvio, sempre fallador e 
gritador. Ainda hoje, com a disciplina moderna, é facil conseguir do 
marinheiro que elle faça tudo, que soffra as maiores privações, que 
arroste os maiores perigos; mas é difficilimo conseguir que elle esteja 
calado. Ha sobretudo certas manobras em que é quasi impossivel obter 
um silencio completo, e no tempo das descobertas, diz-nos o Poeta que 
os marinheiros suspendiam 
as ancoras
Com a nautica _grita costumada_, 
(Lus. II, 18.) 
e largavam 
A véla, que _com grita_ se soltava. 
(Lus. IX, 11.) 
E em outro logar ainda diz-nos que 
A _celeuma medonha_ se alevanta
No rudo marinheiro que trabalha. 
(Lus. II, 25.) 
Mas, se é inconveniente a gritaria dos marinheiros, bem pelo contrario 
é necessario que o official que commanda a manobra tenha voz sonora 
e vibrante, que domine o ruido do temporal e incuta coragem nos 
subordinados. Por isso nos Lusiadas, quando ruge a tempestade e é 
preciso que _não falte accordo_, o mestre dá as vozes do commando
_rijamente_ e _a grandes brados_ (Lus. VI, 71, 72.) 
Quando o seu navio fundeou no porto, começam para o homem do mar 
dias mais alegres e socegados que os passados na viagem. É então que 
elle se esquece da vida que levou durante tanto tempo e vae a terra, 
Que não ha nenhum d'elles que não sáia, 
(Lus. IX, 66.) 
como gente que é 
De ver cousas estranhas desejosa
Da terra. 
(Lus. V, 26.) 
Ahi encontra sempre divertimentos, e quando os não encontra, 
improvisa-os. Outras vezes    
    
		
	
	
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