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O sabio tem os olhos da razão
Além desses que tu na fronte levas,
Oh nescio que sem guia e sem bordão
Vaes pela vida a caminhar nas 
trevas... 
(_E d'ahi? E depois?
Se surge um incidente,
Fere indistinctamente
Ou ambos elles, ou qualquer dos dois_...) 
V 
_A Adelaide Gil, minha irmã_ 
Todas as coisas caminham a um logar: de terra foram feitas e em terra 
se hão de tornar do mesmo modo. 
(Capit. III, v. 3). 
Mas o que é, afinal, a perfeição?
Como é que tudo, oh sabios, evolue
_Se as coisas todas caminhando vão
Para um egual e unico logar,
Se o pó que as constitue
Em pó se hade tornar_? 
VI 
_A Eduardo Graça_ 
Todas as coisas teem seu tempo e todas ellas passam debaixo do céu 
segundo o termo que a cada uma foi prescripto. 
(Capit. III, v. 2). 
Socega, coração attribulado,
De toda a dôr se apaga todo o traço.
Pois quanto ao mundo vem, traz já marcado
_O seu tempo e tambem 
o seu espaço_... 
E queira Deus, coração,
Que esta hora de anciedade
E de pranto e 
d'afflicção
--Nunca te cause saudade!... 
A CANÇÃO DAS PERDIDAS 
A Vianna da Motta 
I 
Quem por amôr se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das 
santas do céu
--É Maria Magdalena... 
II 
Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste 
herança te dou,
Filha do meu coração! 
III 
Meu pae foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse 
tão cedo,
Morria agora--de pena... 
IV
E ha no mundo quem afronte
Uma mulher quando cae!
Nasce agua 
limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vae... 
V 
Aquelle que me roubou
A virtude de donzella
Se outra honra lhe 
não dou,
--É porque só tive aquella!... 
VI 
Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d'agua cantante,
Quem te quer, 
pára um boccado.
Quem não quer, pássa adeante... 
VII 
O meu amôr, por amal-o,
Poz-me o peito numa chaga:
Deu-me 
facadas. Deixal-o.
Mas ao menos não me paga! 
VIII 
Nem toda a agua do mar
Por estes olhos chorada
Daria bem a 
mostrar
O que eu sou de desgraçada! 
IX 
Como querem vêr contente
Este paiz desgraçado,
Se dão só livros á 
gente
Nas escolas do peccado... 
X 
Dormia o meu coração
Cançado de fingimento.
Bateste-me, e vae 
então
Acordou nesse momento. 
XI 
Se aquillo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse vóz,
Muita gente... 
toda a gente
Teria pena de nós!
CARTA A UM RAPAZ SENTIMENTAL 
«Um mover d'olhos brando e piedoso
Sem vêr de quê; um riso brando 
e honesto
Quasi forçado; um doce e humilde gesto
De qualquer 
alegria duvidoso 
 
Um encolhido ousar; uma brandura,
Um medo sem ter culpa; um ar 
sereno,
Um longo e obediente soffrimento. 
 
Camões 
Num quente e perturbante fim de tarde,
Cujo magnetico e profundo 
enlevo
Ainda agora em mim crepita e arde,
Como se fosse a tarde 
em que te escrevo, 
Ergui os olhos distrahidamente,
A ver se já brilhava alguma estrella
No concavo do céu opalescente
--E vi, numa varanda, os olhos 
della... 
Do episodio que acabo de contar-te
Tão simples, tão banal, que dá 
vontade,
Para lhe pôr um boccadinho d'arte,
De lhe roubar um 
pouco de verdade, 
Foi que este amor espiritual nasceu,
Nasceu, cresceu e se tornou 
eterno...
Repara, amigo, como olhando o céu
A gente, ás vezes, 
póde achar o inferno. 
Mas quem podia então adivinhal-o?
O olhar dessa mulher era tão 
lindo
Que deslumbrado me fiquei a olhal-o.
Descera a noite. A lua 
ia subindo... 
Era lua cheia e, para mais, d'agosto;
Dava em toda a varanda. Assim, 
eu via
As fórmas portuguêsas do seu rosto
Nitidamente, como á luz
do dia. 
E cá dentro de mim senti nascer
A dúvida, a incerteza, a hesitação
Sobre o que mais desejaria ser:
Se o noivo della, se o primeiro 
irmão... 
Uma estrella cadente reluziu
Por sobre as torres da vizinha egreja,
Pensei commigo: Deus o decidiu:
É minha noiva que Elle quer que 
seja. 
Não dizia ventura, mas desgraça,
A claridade do signal aereo.
(Na 
mesma direcção da egreja, passa
A rua que vae dar ao cemiterio...) 
Porém, como querendo agradecer-me
A decisão que attribuira a Deus,
Inclinou-se de leve para ver-me
E os doces olhos demorou nos 
meus. 
Sob a caricia desse olhar cinzento,
Que ao abaixar-se parecia negro,
O coração que me batia lento,
Mudou o andamento para alegro. 
Uma hora decorreu. Outras passaram.
Passaram, foram-se; e naquelle 
enleio
Que tempo os nossos olhos conversaram!...
Estava a noite já 
em mais de meio. 
Vinha dos montes uma brisa ardente.
O céu ganhára tons d'azul 
cobalto.
O luar cahia silenciosamente.
Na sombra, os rouxinoes 
cantavam alto. 
Arrependidos, ou então, cançados
De se fitarem com demora em mim,
Os seus olhos piedosos e sagrados
Ao dialogo d'amor puzeram fim. 
Desviára-os; e entre as palpebras discretas,
Poisára-os nas mãos 
claras e pequenas,
Como se foram duas borboletas
Voando para 
duas assucenas. 
Ergueu-se. O busto delicado e fino
Tinha os suaves, religiosos traços
Da Virgem num altar. Só o Menino
Faltava na doçura dos seus 
braços... 
Num olhar impregnado de candura,
Disse-me adeus e recolheu. 
Depois...
A luminosa noite fez-se escura.
Calaram-se na sombra os 
rouxinoes. 
Entrei em casa e quiz dormir. Raiára
A madrugada sem que o 
conseguisse.
Quem um sonho tão limpido sonhára,
Inutil se tornava 
que dormisse... 
Annos felizes neste amor gastei.
Vieram em seguida as horas más.
O que nellas    
    
		
	
	
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