MAGDALENA, MARIA
*Jorge*. Ora seja Deus n'esta casa! 
(Maria beija-lhe o escapulario e depois a mão; Magdalena somente o 
escapulario.) 
*Magdalena*. Sejaes bem vindo, meu irmão! 
*Maria*. Boas tardes, tio Jorge! 
*Jorge*. Minha senhora mana!--A bençam de Deus te cubra, 
filha!--Tambem estou desassocegado como vós, mana Magdalena: mas 
não vos afflijaes, espero que não hade ser nada.--É certo que tive umas 
notícias de Lisboa... 
*Magdalena*, assustada. Pois que é, que foi? 
*Jorge*. Nada, não vos assusteis; mas é bom que estejaes prevenida, 
por isso vo-lo digo. Os governadores querem sair da cidade... é um 
capricho verdadeiro... Depois de aturarem mettidos alli dentro toda a 
fôrça da peste, agora que ella está, se póde dizer, acabada, que são 
rarissimos os casos, é que por fôrça querem mudar de ares. 
*Magdalena*. Pois coitados!... 
*Maria*. Coitado do povo!--Que mais valem as vidas d'elles? Em 
pestes e desgraças assim, eu intendia, se governásse, que o serviço de 
Deus e do rei me mandava ficar, até á última, onde a miseria fosse mais 
e o perigo maior, para attender com remedio e amparo aos 
necessitados.--Pois, rei não quer dizer pae commum de todos? 
*Jorge*. A minha donzella Theodora!--Assim é, filha; mas o mundo é 
d'outro modo: que lhe faremos? 
*Maria*. Emendá-lo. 
*Jorge*, para Magdalena, baixo. Sabeis que mais? Tenho medo d'esta 
criança. 
*Magdalena*, do mesmo modo. Tambem eu.
*Jorge*, alto. Mas emfim, resolveram sahir: e sabereis mais que, para 
côrte e «buen-retiro» dos nossos cinco reis, os senhores governadores 
de Portugal por D. Filippe de Castella que Deus guarde, foi escolhida 
ésta nossa boa villa d'Almada, que o deveu á fama de suas aguas sadias, 
ares lavados e graciosa vista. 
*Magdalena*. Deixá-los vir. 
*Jorge*. Assim é: que remedio! Mas ouvi o resto. O nosso pobre 
convento de San'Paulo tem de hospedar o senhor arcebispo D. Miguel 
de Castro, presidente do govêrno.--Bom prelado é elle; e, se não fosse 
que nos tira do humilde socêgo de nossa vida, por vir como senhor e 
principe secular... o mais, paciencia. Peior é o vosso caso... 
*Magdalena*. O meu! 
*Jorge*. O vosso e de Manuel de Sousa: porque os outros quatro 
governadores--e aqui está o que me mandaram dizer em muito segrêdo 
de Lisboa--dizem que querem vir para ésta casa, e pôr aqui 
aposentadoria. 
*Maria*, com vivacidade. Fechâmos-lhes as portas. Mettêmos a nossa 
gente dentro--o terço de meu pae tem mais de seiscentos homens--e 
defendêmo'-nos. Pois não é uma tyrannia?...--E hade ser bonito!... 
Tomára eu ver seja o que for que se pareça com uma batalha! 
*Jorge*. Louquinha! 
*Magdalena*. Mas que mal fizemos nós ao conde de Sabugal e aos 
outros governadores, para nos fazerem esse desacato? Não ha por ahi 
outras casas; e elles não sabem que n'esta ha senhoras, uma familia... e 
que estou eu aqui?... 
*Maria*, que esteve com o ouvido inclinado para a janella. É a voz de 
meu pae! Meu pae que chegou. 
*Magdalena*, sobresaltada. Não oiço nada.
*Jorge*. Nem eu, Maria. 
*Maria*. Pois oiço eu muito claro. É meu pae que ahi vem... e vem 
affrontado! 
SCENA VI 
JORGE, MAGDALENA, MARIA, MIRANDA 
*Miranda*. Meu senhor chegou: vi agora d'aquelle alto entrar um 
bergantim que é por fôrça o nosso. Estaveis com cuidado; e era para 
isso, que ja vai a cerrar-se a noite... Vim trazer-vos depressa a notícia. 
*Magdalena*. Obrigada, Miranda.--É extraordinaria ésta criança; ve e 
ouve em taes distâncias... 
(Maria tem sahido para o eirado, mas volta logo depois.) 
*Jorge*. É verdade. (Á parte) Terrivel signal n'aquelles annos e com 
aquella compleição! 
SCENA VII 
JORGE, MAGDALENA, MARIA, MIRANDA, MANUEL DE 
SOUSA _entrando com varios criados que o seguem--alguns com 
brandões accesos.--É noite fechada_. 
*Manuel*, parando juncto da porta, para os criados. Façam o que lhes 
disse. Ja, sem mais detença! Não apaguem esses brandões; 
incostem-n'os ahi fóra no patim. E tudo o mais que eu mandei.--(Vindo 
ao proscenio) Magdalena! Minha querida filha, minha Maria! 
(Abraça-as) Jorge, ainda bem que aqui estás, preciso de ti: bem sei que 
é tarde e que são horas conventuaes; mas eu irei depois comtigo dizer a 
«mea culpa» e o «peccavi» ao nosso bom prior.--Miranda, vinde ca. 
(_Vai com elle á porta da esquerda, depois ás do eirado, e dá-lhe 
algumas ordens baixo_.) 
*Magdalena*. Que tens tu? nunca entraste em casa assim. Tens coisa 
que te dá cuidado... e não m'o dizes? O que é?
*Manuel*. É que... Senta-te, Magdalena; aqui aopé de mim, Maria; 
Jorge, sentemo'-nos que estou cançado. (Sentam-se todos) Pois agora 
sabei as novidades, que seriam extranhas se não fosse o tempo em que 
vivêmos. (Pausa) É preciso sahir ja d'esta casa, Magdalena. 
*Maria*. Ah! inda bem, meu pae! 
*Manuel*. Inda mal! mas não ha outro remedio. Sahiremos ésta noite 
mesma. Ja dei ordens a toda a familia: Teimo foi avisar as tuas aias do 
que haviam de fazer, e lá anda pelas cameras velando n'esse cuidado. 
Sempre    
    
		
	
	
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