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The Project Gutenberg EBook of Clepsydra, by Camilo Pessanha 
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Title: Clepsydra 
Poêmas de Camillo Pessanha 
Author: Camilo Pessanha 
Release Date: August 16, 2007 [EBook #22330] 
Language: Portuguese 
Character set encoding: ISO-8859-1 
0. START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CLEPSYDRA 
*** 
Produced by Tiago Tejo 
CLEPSYDRA 
POÊMAS DE 
CAMILLO PESSANHA 
EDIÇÕES LUSITANIA 
Clepsydra 
Todos os direitos reservados 
Composto e impresso: Tip. da T. da Espera, 26
CLEPSYDRA 
POÊMAS DE 
CAMILLO PESSANHA 
EDIÇÕES LUSITANIA 
LISBOA--1920 
INSCRIPÇÃO 
Eu vi a luz em um paiz perdido.
A minha alma é languida e inerme.
Oh! Quem podesse deslisar sem ruido!
No chão sumir-se, como faz 
um verme... 
SONÊTOS 
Tatuagens complicadas do meu peito:
--Trophéos, emblemas, dois 
leões aládos...
Mais, entre corações engrinaldados,
Um enorme, 
soberbo, amor-perfeito... 
E o meu brazão... Tem de oiro n'um quartel
Vermelho, um lys; tem 
no outro uma donzella,
Em campo azul, de prata o corpo, aquella
Que é no meu braço como que um broquel. 
Timbre: rompante, a megalomania...
Divisa: um ai,--que insiste noite 
e dia
Lembrando ruinas, sepulturas rasas... 
Entre castelos serpes batalhantes,
E aguias de negro, desfraldando as 
azas,
Que realça de oiro um colar de besantes! 
ESTATUA 
Cancei-me de tentar o teu segrêdo:
No teu olhar sem côr,--frio 
escalpello,--
O meu olhar quebrei, a debate-lo,
Como a onda na 
crista d'um rochêdo.
Segrêdo d'essa alma e meu degrêdo
E minha obcessão! Para bebe-lo
Fui teu labio oscular, n'um pesadêlo,
Por noites de pavor, cheio de 
medo. 
E o meu osculo ardente, allucinado,
Esfriou sobre o marmore correcto
D'esse entreaberto labio gelado... 
D'esse labio de marmore, discreto,
Severo como um tumulo fechado,
Serêno como um pélago quieto. 
PHONOGRAPHO 
Vae declamando um comico defunto,
Uma platêa ri, perdidamente,
Do bom jarreta... E ha um odôr no ambiente
A crypta e a pó,--do 
anachronico assumpto. 
Muda o registo, eis uma barcarola:
Lirios, lirios, aguas do rio, a lua...
Ante o Seu corpo o sonho meu fluctua
Sobre um paúl,--extática 
corolla. 
Muda outra vez: gorgeios, estribilhos
D'um clarim de oiro--o cheiro 
de junquilhos,
Vivido e agro!--tocando a alvorada... 
Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada 
e velada.
Primavera. Manhã. Que effluvio de violetas! 
Desce em folhedos tenros a collina:
--Em glaucos, frouxos tons 
adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quaes a 
chamma do furor declina... 
Oh vem, de branco,--do immo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua 
mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te
Reflectir-te 
virgem a serena imagem. 
De silva doida uma haste esquíva
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar côr de rosa viva!...
Ligeira a saia... Doce brisa impelle-a...
Oh vem! De branco! Do immo 
do arvoredo...
Alma de sylpho, carne de camelia... 
Esvelta surge! Vem das aguas, nua,
Timonando uma concha 
alvinitente!
Os rins flexiveis e o seio fremente...
Morre-me a bocca 
por beijar a tua. 
Sem vil pudôr! Do que ha que ter vergonha?
Eis-me formoso, môço e 
casto, forte.
Tão branco o peito!--para o expôr á Morte...
Mas que 
ora--a infame!--não se te anteponha. 
A hydra torpe!... Que a estrangulo... Esmago-a
De encontro á rocha 
onde a cabeça te ha-de,
Com os cabellos escorrendo agua, 
Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador. 
Depois da lucta e depois da conquista
Fiquei só! Fôra um acto 
anthipatico!
Deserta a Ilha, e no lençol aquatico
Tudo verde, 
verde,--a perder de vista. 
Porque vos fostes, minhas caravellas,
Carregadas de todo o meu 
thesoiro?
--Longas teias de luar de lhama de oiro,
Legendas a 
diamantes das estrellas! 
Quem vos desfez, formas inconsistentes,
Por cujo amor escalei a 
muralha,
--Leão armado, uma espada nos dentes? 
Felizes vós, ó mortos da batalha!
Sonhaes, de costas, nos olhos 
abertos
Reflectindo as estrellas, boquiabertos... 
Quem polluiu, quem rasgou os meus lençoes de linho,
Onde esperei 
morrer,--meus tão castos lençoes?
Do meu jardim exiguo os altos 
girasoes
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho? 
Quem quebrou (que furor cruel e simiêsco!)
A mesa de eu
cear,--tabua tôsca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o 
vinho?
--Da minha vinha o vinho acidulado e fresco... 
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha 
o vento. Em ruina a casa nova...
Dos meus ossos o lume a 
extinguir-se breve. 
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... 
Não andes mais á neve,
De noite a mendigar ás portas dos casaes. 
Ó meu coração torna para traz
D'onde vaes a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o peccado
Queimou... Voltae horas de 
paz. 
Vergam da neve os olmos dos caminhos,
A cinza arrefeceu sobre o 
brazido.
Noites da serra, o casebre transido...
--Scismae meus olhos 
como dois velhinhos... 
Extìnctas primaveras evocae-as:
--Já vae florir o pomar das maceiras,
Hemos de enfeitar os chapeus de maias-- 
Socegae, esfriae, olhos febrís.
--E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces vozes senís...-- 
Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento 
desfolhal-as...
Em que scismas, meu bem?    
    
		
	
	
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