*A UMA JUDIA* 
(SAUDAÇÃO) 
Avé Regina!
(Hymno Catolico) 
Podem apagar o Sol e as estrelas, bastam-me os olhos da minha amada!
(Idyllio persa) 
Le second soleil! Le second soleil.
(Phan taisies scientifiques de Sam) 
Ó filha d'Israel, ó vestal impolluta!
--Serena como a côr diaphana do 
azul--
O rebelde da Luz vencêra Deus na lucta
Se armara contra os 
ceus teus cabellos do Sul. 
Filha de Cham e Loth, tu és o ideal vivo!
(Ó ouro, incenso e myrra, ó 
licor nunca visto!)
Quando nos queima a luz do teu olhar esquivo,
Teus olhos ferem mais do que os cravos do Christo! 
São dous cravos de luz, dous limpidos espelhos,
--A luminosa cruz 
onde me ensanguentei!--
N'elles soletro claro os grandes Evangelhos,
E n'elles leio mais que nas taboas da Lei!
Quando passas por mim, toda a minha alma anceia!
E os meus 
olhares vão cobrindo-te de beijos,
--E tu passas--archanjo em corpo 
de Phrynea,
E biblia encadernada em lubricos desejos. 
Ah! teus olhos crueis, limpidos, negros, baixos,
Se um dia o sol 
morrendo, enoutecesse os ceus,
Ser-me-hiam, mulher! como dois 
grandes fachos,
Á luz dos quaes iria a ver se achava Deus! 
*A VISITA* 
Hontem dormia á noute--e, eis que desperto
Sacudido d'um vento 
agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido 
d'um vento do deserto. 
Accordei--era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e 
sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, 
Eterno, e Certo! 
É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde 
palma,
Verme! filho da Duvida--Eis-me aqui! 
Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
Crê barro vil!--Mas eu, 
descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci. 
*PALACIOS ANTIGOS* 
A Anthero do Quental. 
Bons castellos leaes nas rochas construidos,
Ás contorções do vento, 
á chuva ennegrecidos,
Que vamos admirar na angustia dos poentes;
Grandes sallas feudaes com tellas de parentes,
O que fazeis de pé, 
como entre os nevoeiros,
Os antigos heroes e as sombras dos 
guerreiros?! 
Uma grande tristeza enorme vos habita!
No entanto a alma antiga 
ainda em vós palpita,
Evocando a emoção das chronicas guerreiras;
E mau grado o destroço, a herva, e as trepadeiras,
--Como um desejo 
bom nas almas devastadas--
Cresce, ao vento, uma flor no peito das 
sacadas! 
A parasita hera avassalou os muros!
Aninha-se o bolor nos cantos 
mais escuros,
Tudo dorme na paz das cousas silenciosas;
E nos 
velhos jardins aonde não ha rosas,
--Só resistindo ainda aos seculos 
injustos--
Uma Venus de pedra espera entre os arbustos! 
Paira em tudo o silencio e o lugubre abandono
Das cousas que já 
estão dormindo o grande somno,
Evocando ainda em nós os velhos 
cavalleiros,
--E ás lufadas do vento, os grandes reposteiros,
Entre as 
nossas visões das epocas sublimes,
Agitam-se ao luar vermelhos 
como crimes. 
Mas no entanto o poeta entende aquellas dores,
E as mudas solidões, 
os largos corredôres,
As boas castellãs as gothicas janellas,
Abertas 
toda a noute a olhar para as estrellas;
Só elle sabe os ais e os gemidos 
das portas,
--E inveja ás vezes ser o pó das cousas mortas! 
*CAIN* 
Cain no mundo errante, desterrado,
Fugindo á sua dôr cruenta e dura,
Morria sobre um valle, abandonado,
No sollo primitivo da 
Escriptura.-- 
O remorso--esse mal que não tem cura--
Não abatia o peito 
allucinado
Do que nasceu no seio do Peccado
Que herdou depois a 
géração futura. 
Do Ceu sem mendigar luz nem consollo
Conservava inda erguido e 
altivo o collo;--
Mas nessa hora fatal que a todos vem... 
Cain velho rebelde,--e atheu primeiro--
Nosso pae, nosso irmão, 
como um guerreiro.
Bradou, caindo--Ó Terra! ó Minha Mãe!
*A PRIMAVERA* 
De Julio Forni 
Hãode dizer-me--Insensatos!
Que tenha novos amores,
Que brilham 
já outros soes,
De novo se abrem as flores
E é o tempo dos 
rouxinoes. 
E dirão inda depois:
Que a primavera começa,
E andam aromas no 
ar,
Que nos sobem á cabeça,
Como um vinho singular. 
E eu dir-lhes-hei: Que m'importa!
Faz frio, fechem-me a porta!
--Ella, o meu bem, meu abrigo,
Levou, desde que está morta,
A 
Primavera comsigo! 
SEGUNDA PARTE 
REALIDADES 
*ACCUSAÇÃO A CHRISTO* 
(A Theophilo Braga) 
Bradava um dia ao Christo, ao Redemptor,
Satan, cançado d'insultar 
os astros:
--Eis-te pendido ahi qual velha flor,
Propheta escarnecido 
nos teus rastros!... 
Vê como a Egreja vae! baixel sem mastros!
Navio roto em mares do 
Equador!
E os seus padres tem ouros e alabastros,
E folga, 
Messalina sem pudor! 
Tem lançado teu corpo aos cães e aos corvos!
Falsificado a Lei, cheia 
d'estorvos,
E fogueiras erguido, ó Christo! ó Cruz!... 
Satan dizia mais... mas lenta e lenta,
Uma lagrima viu sanguinolenta
Escorregar na face de Jesus!
*DE NOUTE* 
A João de Deus 
Elle vinha da neve, dos trabalhos
Violentos, custosos, da enxada;
Cantando a meia voz pelos atalhos. 
A mulher loura, infeliz, resignada,
Cosia junto á luz. O rijo vento
Batia contra a porta mal fechada. 
Ao pé havia um Christo, um ramo bento,
E uma estampa da Virgem, 
colorida,
Cheia de magoa olhando o firmamento. 
Uma banca de pinho, mal sustida,
Vacillante nos pés, um candieiro;
Companheiros d'aquella negra vida. 
O homem alto, pallido, trigueiro,
Entrou; tinha as feições queimadas, 
duras
Dos que andam com a enxada o dia inteiro. 
A mulher abraçou-o. As linhas puras
Do seu rosto contavam já 
tristezas
De grandes e secretas amarguras. 
Tinha chorado muito as estreitezas
D'aquella vida assim! Talvez    
    
		
	
	
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