tu, simples mortal que sou,
Eu, meu amigo, vou?Dormir até que chegue a hora do jantar.?Adeus, e resuscita apenas surja o dia;?Se queres vem dormir á minha hospedaria,
Que eu mando-te acordar.?
E Arouet partiu, soltando uma cruel risada?E Jesus ficou só na noite desolada,?N'aquella colossal Babilonia impudente,?Entre quatro milh?es do almas--quatro milh?es?De tigres, do reptis, de abutres e de le?es?Agachados na sombra amea?adoramente!...
Quem a visse do alto essa Londres deserta?Com a fosforencia esmorecida, incerta?Da luz do gaz a arder sob um cèo tumular,?Julgaria estar vendo um grande monstro escuro,?Como que um Leviatham putrido n'um monturo
Immenso a fermentar.
A noite era sinistra. Os ventos a galope?Resfolegavam como as forjas d'um ciclope?Com uivos de alienado e rugidos de feras.?E o mar bramia ao longe athletico, espumante?Qual marmita profunda a ferver trovejante
Sobre cem mil crateras.
E Christo foi andando errante, vagabundo?Atravez dessa vasta imperatriz do mundo,?Opulenta Gomorra hidropica do vicio,?Que Deus n?o enxofrou talvez, como costuma,?Porque além de estar caro o enxofre, Deus em suma?Já n?o pode arruinar-se em fogos de artificio.
E elle ia vendo os mil palacios portentosos?Onde a besta feliz dormia, ebria de gosos,
Um inefavel somno.?Em quanto que a miseria anonima, esfaimada
ás tres da madrugada?Disputava o jantar no enxurro aos c?es sem dono.
As altas cathedraes, aonde a borguezia?Vai arrotar um pouco á missa do meio dia;?Tinham como que o ar d'um theatro fechado?O aspecto mercantil d'um armazem colosso,?Em que Deus ao balc?o vende os dogmas por grosso
E o céo por atacado.
Os bancos, Pantagrueis do milh?o, monumentos?De marmore e granito e bronze, somnolentos?Molochs, cuja pan?a obesa é um matadouro,?Na virtuosa paz de monstros em descan?o
Digeriam de manso?Nos seus ventres de ferro um Himalaia d'oiro.
Nos mundos hospitaes, onde emfim a desgra?a?Tem a consola??o do agonisar de gra?a,?Santos, monstros, heroes,--Tropmans, Valgeans, Phrinés--?Anciavam no estert?r do tranze derradeiro,?--Lixo que um bonzo vae entregar a um coveiro
Para o calcar aos pés.
E era aquella immundicie humana a humanidade!?Tinha valido bem a pena na verdade?Pregado n'uma cruz morrer como um ladr?o,?Para ao cabo de dois mil annos vir achar?Pilatos sob o throno e Caifaz sobre o altar?De diadema na fronte e baculo na m?o!
Arrazou-se de pranto o olhar do Nazareno,?Aquelle olhar profundo, aquelle olhar sereno?Que outr'ora deu alivio a tantos cora??es,?E a linha virginal de seu perfil suave?Turbou-se, apresentando o aspecto mudo e grave
Daz nobres affli??es.
E marmoreo, espectral, com a fronte sombria?Banhada no suor sangrento da agonia?Foi deitar-se outra vez na leiva tumular,?Athleta que expirou tranzido de mil d?res?E quer dormir, dormir entre as hervas e as flores?Onde escorre piedosa a branca luz do luar.
E quando a christandade á volta do meio dia?Correu ao templo a ver o entremez da Alleluia,?Em logar d'um Jesus banal de ciclorama
Subindo ao firmamento,?D'olhos azues n'um céu d'anil, tunica ao vento,?Sobre nuvens de gloria, de algod?o em rama,
Viu-se na tela um Christo em furia, um visionario,?Truculento, febril, colerico, incendiario,?Como que um salteador fugido das galés,?Na b?ca uma blasfemia e no olhar um archote,?Expulsando da egreja os christ?os a chicote?E expulsando do altar o papa a pontapés!
A BARCA DE S. PEDRO
Na barca de S. Pedro ex-santo, hoje banqueiro,?S?o tantos os caix?es com bulas da cruzada,?E tanto o oiro em barra, as joias, o dinheiro,?O navio é t?o velho e a carga é t?o pesada;
Os anneis, os setins, as purpuras, as rendas,?As mitras d'oiro fino, os bentos, as imagens,?As pratas, os cristaes, os vinhos, as of'rendas,?Os meninos do c?ro, os famulos, os pagens;
O macisso tropel de conegos vermelhos,?De sacristas, bedeis, archeiros, missionarios,?E o damasco, o velludo, os bronzes, os espelhos,?o silabus, a curia, as forcas, os rosarios;
As pipas e os toneis com aguas milagrosas,?Que ainda causam hoje o mais profundo assombro;?Dos velhos cardeaes as cortez?s formosas,?E o cura Santa Cruz de bacamarte ao hombro;
Esta orgia pag?, esta riqueza immensa?Atulham de tal forma a barca ultramontana,?é t?o desenfreado o vento da descren?a,?E o mar é t?o revolto, a carga é t?o mundana;
Que a barca do senhor, outr'ora dirigida?Por doze galileus descal?os, quasi nus,?Ella que atravessava o grande mar da vida?Tendo só por farol os olhos de Jesus;
A barca que atravez do horror da tempestade,?Arvorando no mastro o pavilh?o da Esp'ran?a,?Levava os cora??es de toda a cristandade?Ao grande porto ideal da Bemaventuran?a;
Hoje ao peso cruel d'este deboche hediondo?Essa barca da Egreja, esse colosso antigo?Sossobrará, o Deus, com pavoroso estrondo,?Indo dormir ao pé dos _gale?es de Vigo_.
LADAINHA
S. Ignacio
Bemdicto quem nos dá o p?o de cada dia.
Coro de Santos
Bemdicta a Estupidez, bemdicta a Hipocrisia.
S. Ignacio
Bemdicta seja a forca erguida sobre o mundo.
Coro de Santos
Bemdicto Carlos sete e D. Miguel segundo.
S. Ignacio
Bemdicto seja o tigre e o lobo carniceiro.
Coro de Santos
Bemdicto seja el-rei D. Jo?o terceiro.
S. Ignacio
Bemdictas sejaes vós, ovelhas de Maria.
Coro de Santos
E mais a vossa l?, e mais quem n'a tosquia.
S. Ignacio
Bemdictos os chacaes, bemdictas as toupeiras.
Coro de Santos
E a lingua da verdade e as linguas das fogueiras.
S. Ignacio
Bemdictos os febris venenos orientaes.
Coro de Santos
E o Santo padre Borgia e muitos Santos

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