A velhice do padre eterno | Page 8

Guerra Junqueiro
vermelhos:?Que rostos joviaes, brunidos como espelhos,?Que riso debochado e gesto vinolento!?E á noite, a esta hora, uns padres sem batinas?Do certo n?o vir?o pregar ás concubinas
O 6.^o mandamento!
Os teus guardas fieis depois da prociss?o,?Já roucos de cantar um velho cantoch?o,?Deixaram-te no templo abandonado e só.?Uns vieram beijar as carnes prostituídas,?E os outros foram lêr no quarto, ás escondidas,
Romances de Bollot.
E como a noite é linda! a branca lua passa,?Ostentando na fronte a pallidez devassa
D'uma infeliz mulher.?Quando tudo fermenta e tudo anda de rastros?Já n?o deve admirar que a siphilis chegue aos astros?E precisem tambem xarope de Gibert!
Meu Pae, vamos ceiar. é quasi madrugada;?é a hora do tom, a hora consagrada?Para os ricos festins á viva luz do gaz.?é a hora da morte, a hora do atahude,?E a mesma em que repoisa a candida virtude
Nos bra?os de Faublas.
Anda n?o tenhas medo, entra no restaurante.?A sala está repleta. A purpura brilhante?Dos desejos inflama os sonhos tentadores.?O champanhe sacode os craneos embriagados,?E os crimes sensuaes e os vicios delicados?Rompem n'um turbilh?o de venenosas fl?res.
O punch, illuminando as faces cadavericas,?Faz-nos imaginar as saturnaes chimericas?Que á noite deve haver na _morgue_ de Paris,?Aonde as cortez?s, mais roxas que as violetas,?Ao luar cantar?o as verdes can?onetas
Das podrid?es gentis.
Volteiam pelo ar os ditos picarescos,?Elasticos, febris, doidos, funambulescos,?Como gnomos de luz vestidos de histri?es,?Dan?ando, tilintando os guisos argentinos,?Fazendo á luz do gaz tregeitos libertinos?Com o riso cruel das hallucina??es.
Ceiemos. Manda vir as coisas que preferes;?E que nos v?o buscar duas ou tres mulheres,
Que as ha perto d'aqui;?O mais, pede por boca, o meu divino mestre;?Mas escuta, olha lá, n?o pe?as mel silvestre,?Porque já se n?o usa e riem se de ti.
E agora é destampar a rubra fantasia!?Bebe, pragueja, ri, inventa, calumnia,?Anda! mostra que tens espirito, ladr?o!?N?o quero vêr chorar os olhos teus contrictos;?Sê canalha com gra?a, infame com bons ditos,
Vamos, semsabor?o!
Conta-nos em voz alta historias bem galantes,
Segredos irritantes,?Vergonhas sensuaes,?Adulterios da moda, escandalos, miserias,?Tudo isto, já se vê, com optimas pilherias,
Bastante originaes.
Tu precisas perder esse teu ar de adventicio
E um certo horror ao vicio,?D'um pedantismo ignaro;?Formosura sem vicio é coisa que n?o tenta;?O vicio, meu amigo, é bom como a pimenta,?E o defeito que tem é ser um pouco caro.
Conversemos, alegra a tua fronte augusta.?Sê espirituoso, inventa, o que te custa!?Uma infamia qualquer muitissimo engenhosa...?Tens um amigo? bem, vamos calumnial-o;?Tens amantes? melhor, eu dou-te o meu cavallo
E dás-me a mais formosa.
Parece que o rubor te vai subindo ás faces...
ó Filho, n?o me masses!?ó Filho, tem piedade!?Deixa-te de serm?es; no fim de contas eu?Sou muito bom christ?o... um poucochinho atheu,?Como um christ?o qualquer da fina sociedade.
Saiamos; rompe a aurora. A burguezia dorme,
Como a giboia enorme?Que resona, depois de devorar um toiro;?ó giboia feliz, ó burguezia, ò pan?a,
Dorme com seguran?a?Que a forca está de guarda aos teus bezerros d'oiro.
E chama-se Progresso, ó Deus, esta far?ada!?Isto é o cinismo alvar e em pêllo, à desfilada,?é a prostitui??o ignobil da mulher,?S?o desejos brutaes, é carne em plena orgia,?Emfim a saturnal da podre burguezia,?Que resa como o papa e ri como Voltaire.
Morrendo o velho Deus, o velho Deus tirano,?Este mundo burguez, catholico-romano?Encontrou-se sem fé, sem dogma, sem moral;?A justi?a era elle o Padre-omnipotente;?Esse Padre morreu; ficou nos simplesmente?Um unico evangelho--o codigo penal.
A consciencia humana é um monte de destro?os.?Foram-se as ora??es, foram-se os padres-nossos,?Tombou a fé, tombou o céo, tombou o altar;?E o velho Deus-castigo e o velho Deus-receio
é simplesmente um freio?Para conter a raiva á besta popular.
A crassa burguezia, essa recua fradesca,?Opipara, animal, silenica, grotesca,?Namora a Deuza-carne e adora o Deus-milh?o;?E as almas, fermentando assim n'esta impureza,?Resvalam sensuaes do leito para a meza.
Da meza para o ch?o.
Vendem-se a peso d'oiro as languidas donzellas,
Mais torpes que as cadellas,?Que ao menos d?o de gra?a o libertino amor,?E o Dever, a Saude, o Justo, o Verdadeiro,?Esses ricos metaes fundem-se no brazeiro?D'um sensualismo espresso, atroz, devorador.
A agiotagem, a bolsa, a cota??o dos fundos,?é o principio rei dominador dos mundos,?é um sangue vital, forte como o cognac.?Engordae, engordae ó bravos _homens serios_,?Que servis para dar esterco aos cemiterios
E musica a Offenbak.
A vergonha morreu, a dignidade foi-se.?_O mundo official_ è um vergonhoso alcoice,?E a plebe tripudiando em horridas orgias?Lan?a sobre o Direito um pustulento escarro,?E acende, cambaleando, a ponta do cigarro?Na fogueira que abrasa o Louvre e as Tulherias.
A familha é um bordel. Os leitos sensuaes?S?o verdadeiramente esgotos seminaes,
Eroticas latrinas,?Onde entre o tumultuar d'um debochado goso?Se fabrica de noite o sangue escrofuloso
Das ra?as libertinas.
Calemo-nos. Eu oi?o as ferraduras de Argus.?é a Ordem e a Lei; correm a trotes largos,?Vêm n'esta direc??o, esconde-te, Jesus!?Metamo-nos aqui n'um beco, anda ligeiro!?Que, se sabem quem és, meu velho petroleiro,?Mandam-te pendurar segunda vez na cruz.
E agora, Filho, adeus. Eu vou dormir um pouco,
E tu, meu pobre louco,?Descan?a inda que seja um breve quarto d'hora;?Tingem-se de vermelho as bandas do Oriente,?é hoje a Alleluia, e necessariamente?Tens de resuscitar logo ao romper d'aurora.
Eu mais feliz que
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