espada nas costas dos castelhanos a sua carta de 
legitimação. O papa dispensou nos votos ecclesiasticos, e deu-lhe 
licença para casar. E ficou tão bom rei como se filho legitimo tivera 
nascido, e tão bem casado como se nunca houvera sido clerigo. 
Reis, como aquelle, houve poucos. Filhos, como elle teve, raras vezes 
nascem nos paços dos soberanos. Nobre raça foi aquella dynastia de 
Aviz! Abençoada posteridade de D. João I e de D. Filippa de 
Alencastro! Esta familia nasceu na batalha de Aljubarrota, e 
extinguiu-se na de Alcacerquivir. Começou a 14 de agosto de 1385, e 
acabou a 4 de agosto de 1578. Fundou-a um mancebo de vinte e sete 
annos! Sacrificou-a um moço de vinte e quatro! 
Nunca entrei na admiravel egreja de Santa Maria da Batalha, que me 
não sentisse melhorado pelo ar patriotico que se respira sob aquellas 
venerandas abobodas. Qual será o portuguez que passe com
indifferença diante do tumulo de D. João I e de sua virtuosa mulher? 
N'aquella atmosphera de patriotismo, de coragem, e de dedicação pela 
causa popular, n'aquelle recinto onde a memoria recorda exemplos de 
todas as virtudes publicas e particulares, os fracos animam-se, 
confortam-se os tibios, e as almas generosas exaltam-se, extasiam-se e 
fortalecem-se mais ainda. 
Junto d'aquelles marmores mudamente eloquentes, vi eu um dos 
homens de mais nobre e elevado coração entre os que n'esta terra já 
houve, chorar sobre as nossas calamidades civis, e ouvi-lhe derramar 
em jorros de inspiração poetica a saudade d'esses tempos gloriosos, e o 
amor da patria a que foi fiel até á morte![1] Triste morte por vergonha 
nossa! 
Ali na capella chamada do Fundador jazem tambem os illustres filhos 
do mestre de Aviz. Quem não rogará a Deus pelo descanço eterno de 
taes principes? Até os estrangeiros curvam a cabeça diante do 
monumento que encerra os despojos mortaes do infante D. Henrique, 
porque as descobertas e viagens, que elle dirigiu e favoreceu, 
aproveitaram á humanidade inteira. 
E D. Fernando, o santo, o triste principe captivo que Portugal deixou 
morrer em poder dos mouros para salvar a honra da patria, como se não 
fôra irmão de El-Rei? E D. Pedro, o malfadado duque de Coimbra, a 
victima de Alfarrobeira, de cuja regencia abençoada anda a memoria 
entre nós na tradicção agradecida? Esclarecidos principes! 
Os portuguezes quizeram sobreviver á familia real. Não poderam. O 
povo ainda fez muito em favor de D. Antonio, prior do Crato, mas este 
principe não era para tomar sobre os seus hombros a empreza do mestre 
de Aviz. Só se parecia com elle em ser bastardo e clerigo. 
Os tempos eram outros; lamentavel o estado do reino; o povo 
descorçoado e pobre; a alta nobreza e o clero mais ricos de ambição 
que de virtudes; o rei de Castella muito poderoso, astuto e munificente; 
o cardeal rei caduco e tonto. 
Quem venceu então os portuguezes não foi o duque de Alva. A batalha
chamada de Alcantara foi um insignificante feito de armas. Vencidos já 
elles estavam pelo concurso de mil circumstancias desgraçadas. Até o 
duque de Bragança D. João, que não quizéra em 1579 ser rei do Brazil, 
recebeu em 1581 nas cortes de Thomar o tosão de oiro contra o 
costume dos seus passados que nunca tinham aceitado ordem nacional 
ou estrangeira. Este era por sua mulher, a infanta D. Catharina, o 
legitimo herdeiro da corôa. O povo não podia resistir só. 
Todos julgaram que Portugal acabára. Enganaram-se. A enfermidade 
de Alcacerquivir teve uma convalescença de sessenta annos, mas o 
doente recobrou as forças, e quando menos o esperavam, voltou á sua 
invencivel teima de ser independente e livre. 
Eu não sei, se os duques, marquezes e condes antes queriam ser 
grandes da Hespanha do que pertencer á côrte portugueza. Não sei, se 
os capitães e generaes preferiam commandar em Italia ou em Flandres, 
se os homens de estado sacrificavam a idéa nacional á grandeza da 
monarchia, e se o alto clero dava mais valor á mitra de Toledo que á de 
Braga. 
Talvez que assim fosse pelo que mais tarde se viu, quando o novo rei 
teve de mandar cortar a cabeça a um duque, a um marquez e a um 
conde, e metter em uma masmorra um grande prelado. O que eu sei é 
que o povo não queria ser castelhano, e tanto fez que depois de vinte e 
oito annos de trabalhos conseguiu que o deixassem ser portuguez e 
livre. 
Dos fidalgos alguns ficaram em Castella, onde serviam. Padres tambem 
houve que se fizeram castelhanos. O povo esse, não. Em Braga havia 
um homem, cujos bens eram todos em Galliza. Pois deixou-os 
confiscar, mas veiu para Braga, e morreu portuguez. Bom povo! 
Já as pazes estavam feitas com Castella e ainda os castelhanos nos 
andavam a mostrar os dentes. E assim fizeram sempre, até que com o 
exercito    
    
		
	
	
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