outro, atirou-o na
direção de Angus, deixando que roçasse nele, como a capa de um toureiro. Enquanto se
aproximava do animal, ela imitava o som gutural, prolongado de uma alma penada, seus olhos
brilhando de prazer.
Angus recuou desajeitadamente, bateu num banco da b ancada da cozinha e derrubou-o
com uma pancada metálica. Sob o velho cepo de cortar carne, Bon, orelhas achatadas contra o
crânio, olhava a superfície manchada de sangue. Geórgia tornou a rir.
— Pare com essa porra - disse Jude.
Ela lhe atirou um olhar de desprezo, perversamente feliz (a expressão de uma criança
queimando formigas com uma lupa). De repente, fez u ma careta de dor e gritou. Disse um
palavrão, agarrando a mão direita. Jogou o paletó na bancada da pia.
Uma brilhante gota de sangue cresceu na ponta de seu polegar e caiu, plinc, no chão de
ladrilhos.
— Merda - disse ela. — Porra de alfinete.
— Veja o que você arrumou!
Geórgia o encarou, fez um gesto obsceno para ele e escapuliu da cozinha. Assim que ela
saiu, Jude se levantou e guardou o suco na geladeira. Depois jogou a faca na pia, pegou um pano
para limpar o sangue do piso... e então seu olhar s e fixou no paletó e ele esqueceu o que estava
prestes a fazer.
Alisou o paletó, dobrou as mangas, tateou com cuida do. Jude não conseguiu encontrar
nenhum alfinete, não conseguiu descobrir onde Geórg ia havia se picado. Tornou a estender
suavemente o paletó na caixa.
Um cheiro forte chamou sua atenção. Ele se virou para a frigideira e disse um palavrão. O
bacon tinha queimado.
Pôs a caixa na prateleira no fundo de seu closet e decidiu parar de pensar nela.
Estava de novo atravessando a cozinha, um pouco antes das seis, para pegar salsichas
para o grill, quando ouviu alguém sussurrando no es critório de Danny.
O som o sobressaltou, deixou-o paralisado. Danny fo ra para casa havia mais de uma hora
e o escritório estava trancado, devia estar vazio. Jude inclinou a cabeça para ouvir, concentrando-
se intensamente na voz baixa, sibilante... Logo ide ntificou o que estava ouvindo e seu pulso
começou a ficar mais lento.
Não havia ninguém lá. Era apenas alguém falando no rádio. Jude tinha certeza. Os tons
baixos não eram suficientemente baixos, a voz em si era sutilmente nivelada. Sons podiam sugerir
formas, podiam pintar um quadro da bolsa de ar onde tinham sido gerados. Uma voz num poço
tinha um eco grave, circular, enquanto uma voz num armário parecia condensada, todo o volume
extraído dela. A música era também geometria. O que Jude estava ouvindo naquele momento era
uma voz fechada numa caixa. Danny tinha esquecido d e desligar o rádio.
Abriu a porta do escritório e enfiou a cabeça. As luzes estavam apagadas e, com o sol do
outro lado da construção, o aposento parecia mergul hado numa sombra azul. O rádio estéreo do
escritório era o terceiro pior da casa, mesmo que f osse melhor que a maioria dos rádios
domésticos. Um monte de componentes Onkyo num gabin ete de vidro ao lado do bebedouro.
Os mostradores eram iluminados por um verde intenso, não natural, a cor de objetos observados
por mira de visão noturna. Destacava-se uma única e brilhante barra vertical vermelha, o ponteiro
rubi indicando a freqüência em que o rádio estava s intonizado. O ponteiro era uma ranhura
estreita, no

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