que, de alguma forma, deveria saber. A
caixa em forma de coração devia conter alguma coisa que ele estivesse esperando.
— Isto é para mim? - ela perguntou.
Geórgia conseguiu puxar a tampa e pegou o que havia dentro, erguendo a peça para ele
ver. Um paletó. Alguém mandara um paletó. Era preto e antiquado, os detalhes embaçados pelo
plástico do saco de lavagem a seco onde fora coloca do. Geórgia levantou-o segurando pelos
ombros e colocou-o na frente do corpo, quase como se fosse um vestido que estivesse pensando
em experimentar mas sobre o qual quisesse primeiro ouvir a opinião dele. Seu olhar era
indagador, com um grande sulco entre as sobrancelhas. Por um momento ele não se lembrou,
não soube por que havia recebido aquilo.
Quando abriu a boca para dizer que não fazia idéia se a encomenda era para ela, ouviu sua
própria voz respondendo:
— É o paletó do morto.
— O quê?
— O fantasma - disse ele se recordando. — Comprei u m fantasma. Uma mulher estava
convencida de que estava assombrada pelo padrasto. Então ela pôs o espírito inquieto à venda na
internet e eu o comprei por 1.000 dólares. Esse é o paletó dele. A mulher acha que o paletó pode
ser a fonte da assombração.
— Ah, legal - disse Geórgia. — E você vai usá-lo?
Jude ficou surpreso com sua própria reação. A pele formigou, ficou estranha e áspera,
toda arrepiada. Por um momento irracional, a idéia lhe pareceu obscena.
— Não - disse Jude, e Geórgia lhe lançou um rápido olhar de espanto pelo tom frio e
sem energia da voz. O sorriso afetado de Geórgia se fechou um pouco e ele percebeu que soara...
bem, não assustado, mas momentaneamente sem vigor. Acrescentou: — Não ia caber. - Embora,
na verdade, o poltergeist tivesse mais ou menos a sua altura e o seu peso quando vivo.
— Talvez eu use - disse Geórgia. — Não deixo de ter alguma coisa de espírito inquieto. E
fico sensual em roupas de homem.
De novo uma sensação de choque, um formigamento na pele. Ela não devia usá-lo. O
simples fato de Geórgia estar brincando com aquilo era desagradável, embora ele não pudesse
explicar por quê. Não ia deixar que ela vestisse o paletó. Pelo menos naquele instante, não
conseguia imaginar nada mais repulsivo.
E isso tinha algum significado. Não havia muita coi sa que Jude julgasse demasiado
repugnante. Não estava habituado a sentir repulsa. O profano não o incomodava; tinha lhe dado
30 anos de vida boa.
— Vou deixar lá em cima até descobrir o que fazer c om ele - disse Jude tentando falar
num tom desdenhoso, mas não soando muito convincent e.
Ela o encarou, intrigada com o que estava abalando o autodomínio habitual de Jude, e
puxou o plástico do saco da lavanderia. Os botões prateados do paletó cintilaram na luz. Era um
paletó sombrio, preto como penas de corvo, mas aque les botões, do tamanho de moedas de 25
centavos, lhe davam um caráter rústico. Junto com uma gravata bem fina, seria o tipo de coisa
que Johnny Cash teria usado no palco.
Angus começou a latir, alto, estridente, um latido de pânico. Começou a recuar movendo
o traseiro, a cauda baixa, esquivando-se do paletó. Geórgia riu.
— É realmente assombrado - disse.
Ela suspendeu o paletó na frente do corpo, sacudiu- o de um lado para

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