Os Lusíadas | Page 4

Luís Vaz de Camões
da nossa idade,?Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,?Para do mundo a Deus dar parte grande;
7?Vós, tenro e novo ramo florescente?De uma árvore de Cristo mais amada?Que nenhuma nascida no Ocidente,?Cesárea ou Cristianíssima chamada;?(Vede-o no vosso escudo, que presente?Vos amostra a vitória já passada,?Na qual vos deu por armas, e deixou?As que Ele para si na Cruz tomou)
8?Vós, poderoso Rei, cujo alto Império?O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;?Vê-o também no meio do Hemisfério,?E quando desce o deixa derradeiro;?Vós, que esperamos jugo e vitupério?Do torpe Ismaelita cavaleiro,?Do Turco oriental, e do Gentio,?Que inda bebe o licor do santo rio;
9?Inclinai por um pouco a majestade,?Que nesse tenro gesto vos contemplo,?Que já se mostra qual na inteira idade,?Quando subindo ireis ao eterno templo;?Os olhos da real benignidade?Ponde no ch?o: vereis um novo exemplo?De amor dos pátrios feitos valerosos,?Em versos divulgado numerosos.
10?Vereis amor da pátria, n?o movido?De prémio vil, mas alto e quase eterno:?Que n?o é prémio vil ser conhecido?Por um preg?o do ninho meu paterno.?Ouvi: vereis o nome engrandecido?Daqueles de quem sois senhor superno,?E julgareis qual é mais excelente,?Se ser do mundo Rei, se de til gente.
11?Ouvi, que n?o vereis com v?s fa?anhas,?Fantásticas, fingidas, mentirosas,?Louvar os vossos, como nas estranhas?Musas, de engrandecer-se desejosas:?As verdadeiras vossas s?o tamanhas,?Que excedem as sonhadas, fabulosas;?Que excedem Rodamonte, e o v?o Rugeiro,?E Orlando, inda que fora verdadeiro,
12?Por estes vos darei um Nuno fero,?Que fez ao Rei o ao Reino tal servi?o,?Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero?A cítara para eles só cobi?o.?Pois pelos doze Pares dar-vos quero?Os doze de Inglaterra, e o seu Magri?o;?Dou-vos também aquele ilustre Gama,?Que para si de Eneias toma a fama.
13?Pois se a troco de Carlos, Rei de Fran?a,?Ou de César, quereis igual memória,?Vede o primeiro Afonso, cuja lan?a?Escura faz qualquer estranha glória;?E aquele que a seu Reino a seguran?a?Deixou com a grande e próspera vitória;?Outro Joane, invicto cavaleiro,?O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.
14?Nem deixar?o meus versos esquecidos?Aqueles que nos Reinos lá da Aurora?Fizeram, só por armas t?o subidos,?Vossa bandeira sempre vencedora:?Um Pacheco fortíssimo, e os temidos?Almeidas, por quem sempre o Tejo chora;?Albuquerque terríbil, Castro forte,?E outros em quem poder n?o teve a morte.
15?E enquanto eu estes canto, e a vós n?o posso,?Sublime Rei, que n?o me atrevo a tanto,?Tomai as rédeas vós do Reino vosso:?Dareis matéria a nunca ouvido canto.?Comecem a sentir o peso grosso?(Que pelo mundo todo fa?a espanto)?De exércitos e feitos singulares,?De áfrica as terras, e do Oriente os mar?os,
16?Em vós os olhos tem o Mouro frio,?Em quem vê seu exício afigurado;?Só com vos ver o bárbaro Gentio?Mostra o pesco?o ao jugo já inclinado;?Tethys todo o cerúleo senhorio?Tem para vós por dote aparelhado;?Que afei?oada ao gesto belo e tenro,?Deseja de comprar-vos para genro.
17?Em vós se vêm da olímpica morada?Dos dois avós as almas cá famosas,?Uma na paz angélica dourada,?Outra pelas batalhas sanguinosas;?Em vós esperam ver-se renovada?Sua memória e obras valerosas;?E lá vos tem lugar, no fim da idade,?No templo da suprema Eternidade.
18?Mas enquanto este tempo passa lento?De regerdes os povos, que o desejam,?Dai vós favor ao novo atrevimento,?Para que estes meus versos vossos sejam;?E vereis ir cortando o salso argento?Os vossos Argonautas, por que vejam?Que s?o vistos de vós no mar irado,?E costumai-vos já a ser invocado.
19?Já no largo Oceano navegavam,?As inquietas ondas apartando;?Os ventos brandamente respiravam,?Das naus as velas c?ncavas inchando;?Da branca escuma os mares se mostravam?Cobertos, onde as proas v?o cortando?As marítimas águas consagradas,?Que do gado de Próteo s?o cortadas
20?Quando os Deuses no Olimpo luminoso,?Onde o governo está da humana gente,?Se ajuntam em concílio glorioso?Sobre as cousas futuras do Oriente.?Pisando o cristalino Céu formoso,?Vêm pela Via-Láctea juntamente,?Convocados da parte do Tonante,?Pelo neto gentil do velho Atlante.
21?Deixam dos sete Céus o regimento,?Que do poder mais alto lhe foi dado,?Alto poder, que só co'o pensamento?Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado.?Ali se acharam juntos num momento?Os que habitam o Arcturo congelado,?E os que o Austro tem, e as partes onde?A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.
22?Estava o Padre ali sublime e dino,?Que vibra os feros raios de Vulcano,?Num assento de estrelas cristalino,?Com gesto alto, severo e soberano.?Do rosto respirava um ar divino,?Que divino tornara um corpo humano;?Com uma coroa e ceptro rutilante,
23?Em luzentes assentos, marchetados?De ouro e de perlas, mais abaixo estavam?Os outros Deuses todos assentados,?Como a raz?o e a ordem concertavam:?Precedem os antíguos mais honrados;?Mais abaixo os menores se assentavam;?Quando Júpiter alto, assim dizendo,?C'um tom de voz come?a, grave e horrendo:
24?"Eternos moradores do luzente?Estelífero pólo, e claro assento,?Se do grande valor da forte gente?De Luso n?o perdeis o pensamento,?Deveis de ter sabido claramente,?Como é dos fados grandes certo intento,?Que por ela se esque?am os humanos?De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
25?"Já lhe foi (bem o vistes) concedido?C'um poder t?o singelo e t?o pequeno,?Tomar ao Mouro forte e guarnecido?Toda a terra, que rega o Tejo ameno:?Pois contra o Castelhano t?o temido,?Sempre
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