todos entoando a _Marselhesa_
Bradaram:--«Bota abaixo a realesa.» 
XXXVI 
«A republica só, heroica e pura
Sem esses comilões e sem tributos,
É governo, que aos povos dá ventura.
Vêde gregos, romanos, Solons, 
Brutos
Que varões de coragem, de lizura!»
--«Ó _sô_ Zé, se fallou 
agora em brutos,
Disse um d'elles, entendo em cortezia
Que pedisse 
licença á companhia.» 
XXXVII
--«Tenho odio fatal, e tão profundo,
Aos reis todos, e á sua parentella,
Que juntando-me aquelles, que ha no mundo,
Eu guisára uma farta 
cabidela,
Ou então do oceano bem no fundo
Armava-lhe um 
tremalho, uma esparrella;
E se fossem tomar banhos no mar
Apanhava-os, e punha-os a escalar.» 
XXXVIII 
--«Em peitos lusitanos entrar póde
O desamor da patria! e assim 
quereis
Como uma carga vil, que se sacode
D'esta terra expulsar os 
nossos reis?!
Se a protecção de Deus vos não acode
Como outr'ora 
em Ourique, inda vereis
Este paiz mimoso dos heroes
No mundo 
não valer dois caracoes. 
XXXIX 
Portugal, que entre todas as nações
Se distingue fiel á dynastia!
Que 
nobre de proezas, galardões,
No mundo inteiro houvera primasia!
Ha de hoje off'recer os seus brazões
Aos sonhos d'esta vã democracia,
Que elege e acclama por soberano
Este, aquelle, aquell'outro, um 
tal cicrano?!» 
XL 
--«Fóra, fóra! acabem dynastias,
Não queremos sustentar com 
sacrificios
Quem vive dos tributos, das sangrias
Que soffremos por 
tantos malificios;
Acabem agourentas monarchias!
Não queremos 
aturar mais supplicios:
A forma de governo mais humana
É sem 
duvida a que é republicana.» 
XLI 
--«Ah! senhor, por um instante me escutae:
Não posso concordar com 
tal aviso!
Um mau rei é verdugo, mas é pae
O que governa em paz, 
e com juizo:
O arbitrio de muitos sempre cae
Na desordem fatal, em 
prejuizo
Da nação que mais cedo, ou que mais tarde
Soffre a guerra
civil, torpe e covarde.» 
XLII 
E logo d'improviso uma matrona
De face bronzeada, enorme buço,
Gritou o--Viva a _plebia_, que desthrona
Os _reizes_, que padecem 
mau influxo;
É mettel-os a todos n'uma fona,
Assim o declaro sem 
rebuço.
É deitarmos a terra esses colossos:
Eu sou republicana até 
aos ossos. 
XLIII 
«Eu cá sem ser _pronostica_, arrenego
Do tempo, que para os 
_reizes_ vae bicudo;
Mas elles teem olhar tão peticego,
Que só 
vêem as cousas por canudo.
Pois eu a governar punha no prego
As 
colonias, nação, vendia tudo...
E _vispiré_, Ignacia! co'a aragem
_Tingava-me_... adeusinho... boa viagem. 
XLIV 
A rainha, que grande presumida!
Recostada no caleche toda 
_aquella_,
E eu cá p'ra ganhar a triste vida
Giro em trocas, 
baldrocas d'uma adella,
Eu se andasse como ella, bem comida,
Era 
sucia, e só qu'ria dar á trella:
Onde houvesse uma tasca de bom vinho
Aos amigos pagava um _martellinho_. 
XLV 
A communa... oh! que grande regaleza!
Tudo egual, e ninguem 
soffrendo fome!
Descongela-se a neve da pobreza,
O rico diz ao 
pobre:--Pegue, tome!--
Repartem entre si toda a riqueza,
O trabalho 
a ninguem rala e consome,
Cada um faz e diz o que quizer,
E troca 
de marido e de mulher! 
XLVI
Co'os _demos!_ venha a hora bemfazeja
Em que gose o mudar meu 
duro fado;
De andador posto á porta d'uma egreja
Eu visse o meu 
João ser deputado.
É bem triste o viver só da bandeja,
Pedir p'ra o 
purgatorio, e ser penado,
E clamar ao alvor d'um triste dia:
Levanta-te, João... _vae p'ra a bacia_!.» 
XLVII 
Já roucos de gritar com vozes graves,
A republica acclamam grandes 
vivas;
Nos bosques se escondiam meigas aves,
Dos prados, pela 
bulha, fugitivas,
E as fontes seus murmurios tão suaves
Suspendem 
entretanto por esquivas;
Só ao longe, no auge do sussurro,
Coáxa a 
triste rã, orneja o burro. 
XLVIII 
--«Palavra _seu aquelle_, eu tambem fallo,
Olé se fallo, eu cá sou 
cidadão...
Escusam de gritar, que me não callo...
Não me empurrem, 
já disse... qual pifão!
O rei no seu governo, é como um gallo,
Como 
um gallo... oh! que grande reinação...
Fóra co'a brincadeira... viva o 
rei!
Oh! _dominus vobiscum, agnus Dei_. 
XLIX 
Em tempos mais antigos, qual o anno
Me não lembra, nem d'isso 
agora trato...
Tivemos um pastor republicano.
Que pandigo! o tal 
luso, o Viriato!
E D. Fuas Ropinho, que magano...
O rei dos 
valentões, Prior do Crato!
Que façanhas fizeram! que prodigio
Armados de cacete e bonet frigio!» 
L 
--«Presidente, este typo surdo mudo
Por signaes o seu voto ora 
pretende
Declarar; é teimoso, é cabeçudo.»
--«De mimicas aqui 
ninguem entende!
Subjuguem-n'o, e ferrem-lhe um cascudo
E
ponham-o lá fóra, que se emende.»
--Egualdade, onde estás!--protesta 
um gebo;
--Eu tambem, diz um gago, _a não_ concebo.-- 
LI 
E n'isto no casaco a assadeira
Lhe fincara deveras as fateixas;
Acode a socorrel-o a taberneira,
Duas _taponas_ lhe ferra nas 
bochechas.
O peixe estremeceu na frigideira,
A cabeça escondendo 
nas ventrechas,
E o sacrista berrando pela guarda
Acode o regedor 
n'esta bernarda. 
LII 
Apitam, correm cabos de policia;
O povo prorompeu n'uma assuada.
O regedor procura com pericia
Acalmar o tumulto, mas baldada
Lhe fôra a diligencia, se a milicia
Lhe não desse a provar do 
_peixe-espada_;
Então o taberneiro por esperto
Começou a gritar: 
«a tropa é perto!» 
LIII 
Sentira-se uma bulha retumbante,
E uma grita de vozes, arremedo
De rufar de tambor, e mal toante
Um pifaro tocar...--É o Macedo!--
E ei-los a correr no mesmo instante
Como um bando de gamos, que 
de medo
Fugira ao caçador, e cada qual
Vae bradando:--ahi vem a 
_mancipal_!-- 
LIV 
Esgueiram-se em differentes direcções,
Deitando pelo chão mesas e 
bancos;
É batalha campal de provisões,
De azeitonas e peixe, 
queijos brancos;
Quebraram-se as canecas, canjirões,
Em quanto 
vão saltando p'los barrancos;
E assim se    
    
		
	
	
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