burro é que havia de resolver...?
--Serve-lhe o contracto?
--Qual contracto?
--Mau! Larga-se o burro, você entende? deixa se o burro ás soltas. Depois, é p'ra onde elle f?r. Se o burro larga p'ra traz, lá p'r'as bandas d'onde você vem... Você d'onde vem?
--Dos Casaes.
--Pois ahi está. Se o burro tomar p'r'os Casaes, o burro fica seu...
--E tomando direito á aldeia, é do sr. Thomé,--concluiram alguns do grupo, conciliadores.
--Nem mais! Serve-lhe assim? Diga se lhe serve assim.
Por um desfastio, o outro concordou. Mas lá lhe parecia historia que o burro tomasse para a aldeia... Vinha de t?o má vontade, que até lhe custara tiral-o de casa.
--Olhe que vae pr'os Casaes! Digo-lhe ent?o que vae pr'os Casaes...--affirmou.
--Melhor p'ra você. Mas nós veremos p'ra onde vae. Você está pelo dito?--quiz saber o Thomé.
--Sim senhor, estou! Pois que duvida tem que estou? disse-lhe o outro n'um rompante. Olhe: uma, duas, tres; ás tres largo-lhe a arreata.
Ia já a abrir a bocca para dizer--?uma!?
--Alto! fez o Thomé. Espere lá um pouco. Primeiro hei-de fazer duas festas ao animal.
E p?z-se a bater-lhe na anca, no pesco?o, no peito, demorando-se um pouco a fital-o de frente, ?para que o animal o conhecesse.?
--?Sult?o?! gritou-lhe de repente. Eh! ?Sult?o?!
O burro estremeceu... Dir-se-hia que no fundo da sua memoria, a lembran?a porventura adormecida d'aquelle nome despertara subitamente...
--Eh! Eh! riu-se muito satisfeito o lavrador. O burro, agora, vira-se p'ra ali. Isso. Nem é p'r'os Casaes nem p'r'o logar. Assim. Eh! Eh!
E afastou-se para o lado, aguardando.
Uma anciedade dominava n'aquelle momento os do grupo; o Thomé p?z-se a roer as unhas, nervoso...
--Ent?o você porque espera? perguntou.
Ouviu-se logo a voz do outro, dizendo:
--á uma!...
O Thomé sentiu um calafrio; sapateava nervoso, cheio de medo, o olhar de esguelha, e entre os dentes ferrados o pollegar da m?o direita...
--...ás duas!
--Ih! c'um raio!... dizia baixo o Thomé.
E sem querer, os olhos cerraram-se-lhe com for?a.
--...ás tres!
Foi ent?o um barulho de palmas, um berreiro atroador de vivas e gargalhadas! O Thomé vencera: corriam todos a abra?al-o, affirmando que o caso era para foguetes.
--Viva o sr. Thomé! Viva o ?Sult?o?! Aquillo é que é burro!
--Aquillo é que é amigo, h?o-de vocês dizer!--emendava o Thomé a rir. Tenho-os com dois pés, que n?o valem metade...
--Oh! sr. Thomé! protestavam alguns.
--Isto n?o é com vocês, mas é como quem se confessa... Está visto que n?o é com vocês.
E ria, ria como um perdido, emquanto, estrada fóra, o ?Sult?o? corria que voava, cauda no ar, corda de rastos, perdendo-se por fim lá ao fundo, na poeirada immensa da estrada, como que nimbado n'um resplendor de apotheose. E na peugada do burro, esbaforido e como doido, seguia agora o lavrador, após o fraternal abra?o, pregado no dos Casaes...
Quando o Thomé chegou a casa, offegante, a suar, cheio de gestos e de palavras entrecortadas de riso, já o ?Sult?o?, relinchando, pateava á porta do antigo cortelho, n'uma grande impaciencia, um ?rap-rap? continuo na soleira.
--Venham vêr! Venham cá vêr! berrava o Thomé para a vizinhan?a. ó Antonio! ó compadre! ó Maria Engracia!
ás janellas assomava gente, perguntando se era fogo.
--Qual fogo, nem qual carapu?a! é o ?Sult?o?, mas é! Este inimigo! ó Josepha! Josepha! cá temos o burro, este demonio. Assoma.
Ora imaginem agora os senhores, se podem, a effus?o do lavrador. Abra?os? E até beijos. Aquillo era um thesoiro perdido que reapparecia alfim. A mulher, do alto da escada, benzia-se, perguntando se o seu homem teria endoidecido...
--Palavra de rei, ?Sult?o?, palavra de rei! Anda d'ahi pelos saccos. S?o só dois. ó Josepha! Ouves? p'ra cá esse garraf?o que está ao pé da arca, avia-te. A caneca tambem, ouviste? Essa das riscas vermelhas, a maior.
E atirando as m?os ambas para a albarda, montou muito regalado, de um pulo.
--Ah!
A senhora Josepha assomava, ajoujada com o enorme garraf?o.
--Anda, mulher, p?e aqui deante de mim. Avia-te.
Ia a boa da senhora Josepha arriscar uma observa??o, um conselho, qualquer coisa de tomo...
--Adeus, minhas encommendas! N?o me fanfes, mulher, n?o me fanfes. P?e aqui, que mando eu, avia-te. Assim. Está bem.
--Nome do Padre...
--Ent?o que lhe queres? Deu-me agora p'r'aqui!
--Nome do Padre, nome do Filho...
--A caneca! Venha de lá agora a caneca!
--...nome do Espirito Santo!
--Passa bem, ó mulher,--concluiu ás gargalhadas, entre as gargalhadas dos demais.--Ouves? Quando o Manoel vier dos ninhos, esse maroto, manda-m'o ás eiras. A trote, ?Sult?o?! Eh! valente!
E lá parte, veloz como uma setta. Já de longe volta-se do repente:
--Josepha! ó Josepha! n'esse alguidar do meio umas sopas de vinho p'r'o ?Sult?o?, ouviste? No do meio. O grande é muito grande, e esse pequeno n?o presta. Ouves? mas quer-se coisa que farte, bem entendido.
E de novo despediu como uma flecha, abra?ado ao garraf?o. Arreata para a direita, arreata para a esquerda, pernas a dar a dar, elle lá vae n'uma corrida, sumido n'uma onda de poeira, até chegar ás primeiras ?mêdas?.
--Vinho, rapaziada! ó Maria do Carmo, toma lá uma pinga, mulher! Lá por andarmos

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