idéa, pensando-se infinitamente: é acto infinito, amor infinito, a 
realisar-se pela infinita vontade na duração infinita. Eliminando o 
imperfeito, o perfeito evapora-se. Destruindo o relativo, destruireis o 
absoluto: o absoluto que fica é o absoluto não-ser. O infinito amor de 
semelhante Deus seria o infinito amor de si proprio, o infinito egoismo. 
É como se quizessemos resumir a infinidade dos numeros em um 
numero unico, infinito, eterno, inalteravel, o numero absoluto perfeito, 
e realizassemos a sinteze da infinidade numerica no absoluto do zero. 
Tudo egual a nada. Não! Deus é infinito amor, esforço infinito, 
actividade infinita. O universo é o corpo de Deus, é a carne de Deus. 
Deus é absolutamente perfeito na diversidade infinita, porque sem essa 
diversidade infinita não ha, nem póde haver, a união suprema. Mas a 
sinteze da vida é irrealisavel na ideia de numero e quantidade, na ideia 
concreta de materia. Só na ordem moral se unifica absolutamente a vida 
varia do universo. As quantidades, traduzidas em imperfeições, os 
numeros traduzidos em egoismos, são reductiveis ao absoluto na ideia 
unica d'amor. Ahi o imperfeito torna-se a condição matematica do 
perfeito. Deus, amor absoluto, vive e sustenta se dos egoismos infinitos, 
continuamente evolucionando para elle. Deus, beatitude eterna, vive e 
sustenta-se das dôres infinitas do universo. Deus como corpo, como 
natureza, sofre infinitamente; mas Deus, espirito puro, Deus, amor 
absoluto, não sente dôr, nem sofrimento. É a bemaventurança e a gloria 
eterna, porque eternamente triunfa dos sofrimentos eternos do seu
corpo. O santo verdadeiro dá-nos a imagem palida de Deus. Deus é o 
santo perfeito, o Christo absoluto e universal.» 
* * * * * 
Adoramos, pois, o mesmo Deus, unificamos a vida na mesma sinteze. 
Mas o auctor dos Pobres não desvendou, ideologicamente, 
abstractamente, o segredo da natureza, a explicação religiosa e intima 
da vida universal. Não a estudou como filosofo, descarnando-a, 
dissecando-a, até lhe descobrir as leis inalteraveis e reconditas da sua 
estructura evolutiva. Não fez do cerebro um instrumento de visão, 
agudo e claro, gelido e penetrante, com elle interrogando, dia a dia, no 
sorvedoiro cosmico, o borbulhar infinitiforme da existencia. Não mediu 
a vida a compasso, não a formulou em theoremas ou equações. Viveu-a. 
O seu livro não é a historia dialetica da razão d'um homem, 
sistematisando e codificando a natureza. Não é a historia d'um encefalo, 
desdobrada em ideias. É a historia d'um homem, a historia plena e 
formidavel d'um organismo inteiro,--da carne e dos ossos, do sangue e 
das lagrimas, das mãos que abençoam e que destroem, dos olhos que 
choram e que fulminam, da boca que resa e que tritura, da alma do lobo, 
que vem de Satanaz, da alma do anjo que se encaminha para Deus. Sim, 
a historia universal d'um homem, gemida e rugida, furiosa e candida, 
não para que o mundo lha ouça (então seria hipocrita) mas para que 
Deus lha escute, na eternidade e no silencio. É a confissão clamorosa, 
satanica ou celeste, das energias infinitas, evolutivamente amalgamadas 
e condensadas no misterio pavido d'um homem. O abismo insondavel, 
retrahindo-se, cristalisou n'um ponto; e esse ponto, adquirindo voz, 
confessou o abismo, revelou o insondavel. Almas inumeras se agrupam 
na alma sintetica e central. Ha em cada alma infinidades d'almas. E 
umas tão horriveis e loucas, que as escondemos para que as não vejam, 
e outras tão inconscientes e profundas, que, habitando comnosco, as 
não chegamos sequer a conhecer. O poeta dos Pobres conheceu-as e 
confessou-as todas. Desde a mais clara á mais crepuscular e tenebrosa, 
irradiou-as todas plenamente, no estado nascente, ingenuas e vivas, sem 
occultar uma unica. 
O seu Deus não é o ultimo termo d'uma cadeia logica de silogismos.
Não o descobre pela razão, atinge-o pela emoção. O meu amigo não 
raciocina, isoladamente, com o encefalo. Raciocina de chofre e com 
todo o corpo. As ideias brotam-lhe espontaneas, como o sangue da 
facada ou a flor da haste. Palpitam de vida, mas vida viva,--no estado 
genesico. Não falam, não discursam, não discorrem. Gritam, uivam, 
ululam, gemem, resam, blasfemam. Ciclones d'ais, de orações, de 
imprecações, de furias, de lamentos. O meu amigo pensa, forma juizos, 
como as eletricidades formam raios. 
O seu Deus é a expressão da sua emotividade. Ou, bem no fundo, da 
sua moralidade. Só crê em Deus, só descobre Deus, quando em si, pela 
virtude, momentaneamente o realisa, ou tenta realisar. Se a bondade e a 
paz lhe existem no coração, a natureza resolve se-lhe em Deus, em 
amor supremo. Mas, d'ahi a instantes, o egoismo invade-o, e não é já 
em Deus, é na chimica, que a explicação do mundo lhe apparece. Qual 
a fonte do ser, a rasão da vida? É o acaso, é o apetite, é o amor, é Deus 
ou Satanaz, conforme as horas ou os dias conforme o equilibrio instavel 
da sua carne e do seu espirito. Logo de    
    
		
	
	
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