O Arrependimento, by Camilo 
Castelo Branco 
 
The Project Gutenberg EBook of O Arrependimento, by Camilo 
Castelo Branco This eBook is for the use of anyone anywhere at no 
cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give 
it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License 
included with this eBook or online at www.gutenberg.net 
Title: O Arrependimento 
Author: Camilo Castelo Branco 
Release Date: November 6, 2007 [EBook #23346] 
Language: Portuguese 
Character set encoding: ISO-8859-1 
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O 
ARREPENDIMENTO *** 
 
Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public 
domain material from Google Book Search) 
 
O ARREPENDIMENTO.
O ARREPENDIMENTO. 
ROMANCE 
Em tempos da minha mocidade costumava visitar a miudo uma boa 
velha, minha visinha, que me honrava com a sua estima e amisade. 
Humildemente confesso que não ha sociedade mais deleitosa e 
agradavel, do que a de uma mulher que soube envelhecer. A sua 
conversação instructiva e divertida, é um inesgotavel thesouro de 
lembranças, anecdotas, observações chistosas e reflexões circumspectas, 
é finalmente uma revista do passado. 
D. Mafalda, deixem-me assim chamar-lhe, juntava á amenidade da 
conversa, a do caracter, que era brando e indulgente. 
Quando tinha occasião de ir passar uma noite com ella, parecia-me que 
as horas voavam ligeiras e que corriam mais rapidas, do que quando as 
gastava a distribuir finezas e galanteios ás mais formosas rainhas dos 
mais brilhantes salões. Era sempre com vivo pesar que a via apontar 
para o relogio, indicando-me que a hora de me retirar tinha chegado, e 
voltava a minha casa com o espirito mais rico, e o coração satisfeito e 
melhor. 
A historia que vou contar-vos, minhas caras leitoras, foi-me dita por D. 
Mafalda n'um d'estes serãos em que vos fallei. 
Era n'uma bella noite de Junho; fui encontral-a sentada na sua cadeira á 
Voltaire, tendo a seus pés, deitado em um cochim, o seu cãosinho 
querido; os olhos tinha-os semi-abertos, um sorriso nos labios, e 
parecia respirar com prazer a aragem, que, embalsamada pelas flôres do 
jardim, se coava pela janella meia aberta. Quando cheguei junto d'ella 
vinha indignado por que um de meus parentes tinha sido victima d'um 
abuso de confiança; contei-lhe o succedido, e no calor da narração não 
poupei ao culpado as maiores imprecações, nem deixei de lhe dizer que 
desejava fazer-lhe todo o mal possivel. 
--Devagar, meu querido amigo--me disse ella--não o julgava tão 
irrascivel, nem que tivesse tão pouca caridade para com o proximo.
Sabe lá, se, com a vida, não tiraria ao culpado o merito de para o futuro 
se poder rehabilitar pelo arrependimento, e se o momento em que lhe 
infringisse o castigo não seria o destinado por Deus para esse 
arrependimento? 
--Eis-ahi, minha cara visinha, uma doutrina, permitta-me a expressão, 
um pouco subversiva da ordem social. 
--Deus me defenda--me replicou--de querer que o culpado não seja 
castigado, e que a sociedade fique indefeza dos crimes que um seu 
membro praticou contra ella; quiz dizer sómente que devia deixar ás 
leis o cuidado de castigar o delinquente, e que o meu querido amigo, 
não devia, como individuo, fechar assim desapiedadamente o coração a 
todo o sentimento de commiseração por um desgraçado e infeliz, no 
coração do qual talvez ainda bruxelei algum clarão de virtude, que uma 
occasião favoravel e propicia, que se apresente, ainda póde despertar, e 
fazer com que esse membro da sociedade, que julga inutil, se torne bom 
e aproveitavel. 
Como eu respondesse a isto, fazendo um d'estes movimentos de cabeça, 
que são um protesto mudo e respeitoso, ella acrescentou: 
--Está com paciencia para me aturar ouvindo uma historia, pois que 
ainda temos algumas horas? 
Não recusei: uma historia era uma fortuna para combater a exaltação 
d'espirito em que estava. 
D. Mafalda principiou assim: 
--Emilio da Cunha era o mais velho de tres irmãos, dos quaes, o mais 
novo, vivia ha muitos annos no Rio de Janeiro, onde tinha alcançado 
fortuna. O segundo nunca deixou o Porto, sendo sempre infeliz nos 
seus commettimentos e especulações. Emilio da Cunha, á custa de 
muito trabalho e economias, pôde alcançar uma fortunasinha, que lhe 
permittia esperar com socego, o momento de descançar da vida 
laboriosa em que tinha vivido.
Uma quarta pessoa completava esta familia, que era uma irmã, que 
tendo seguido seu marido á India, para onde elle tinha sido despachado, 
e não vindo nenhum d'elles a figurar n'esta minha historia, não lh'os 
recordarei mais. 
Aconteceu que o irmão de Emilio da Cunha, que residia no Porto, por 
uma d'estas catastrophes que occasionam os jogos de bolsa, falliu. Teve 
tal sentimento por este facto, que falleceu tres dias depois, atacado 
d'uma febre cerebral. A herança, que deixou, foram dividas e um filho. 
Emilio da Cunha, que tinha um coração bondoso, e um caracter 
pundonoroso, para que a memoria de seu irmão    
    
		
	
	
	Continue reading on your phone by scaning this QR Code
 
	 	
	
	
	    Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the 
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.
	    
	    
