armada, poucos dias depois de saír de Lisboa, foi assaltada por um 
temporal que a dispersou. Chegado ás alturas do Cabo pagou o Poeta o 
tributo devido ao Genio d'aquellas paragens, que elle havia de 
immortalisar. Essa tormenta, que elle descreveu na sua elegia III, 
inspirou-lhe com certeza o bello episodio do Adamastor. Não podendo 
já seguir a viagem pelo canal de Moçambique, ou por ter passado a 
monção ou por causa das correntes contrarias, a nau _S. Bento_ fez a 
derrota por fóra da ilha de Madagascar, correndo n'aquelle parallelo até 
á latitude da India. Finalmente, em setembro, chegou o Poeta a Goa, 
depois de seis mezes de uma viagem, que, parcendo-nos hoje 
aborrecida e longa, não foi comtudo das peores para aquelle tempo. 
A vida dos militares portuguezes na India era um tecido de continuas 
expedições ora terrestres ora maritimas, predominando comtudo estas 
ultimas. Por isso, mez e meio depois de ter o Poeta chegado a Goa, já o 
vemos acompanhar o vice-rei em uma d'essas expedições, que tinha por 
fim soccorrer o rei de Cochim. Ahi teve elle occasião de observar 
desembarques e combates em terra. Logo em seguida a esta viagem ao 
sul de Goa fez o Poeta outra ao norte, embarcando na armada que foi 
correr a costa meridional da Arabia e cruzar no golfo de Aden, a qual
era commandada por D. Fernando de Menezes, filho do vice-rei. N'esta 
expedição teve Camões desembarques, assaltos de fortalezas, combates 
navaes, e um cruzeiro enfadonho em que muitas vezes contemplou com 
desgosto a triste aridez do Guardafui, até que em setembro de 1554 
regressou a Goa. 
Dois annos depois, sendo já governador da India Francisco Barreto, foi 
o nosso Poeta para a China, na armada de Francisco Martins, para 
occupar o cargo de provedor dos defuntos e ausentes. 
O nosso primeiro estabelecimento na China tinha sido na cidade de 
Liampó, e chegou a tão grande altura de riqueza e prosperidade 
commercial, como se póde ver das descripções que Fernão Mendes 
Pinto faz das festas com que ali foi recebido o famigerado Antonio de 
Faria. Perdeu-se este estabelecimento em 1542, por causa das 
desordens provocadas pelo negociante Lançarote Pereira. Em 1544 
conseguiram os portuguezes estabelecer-se em Chincheu, mas tambem 
d'ahi foram expulsos em 1547 por causa das malversações e 
expoliações de Ayres Botelho de Sousa, capitão-mór e prevedor dos 
defuntos. Finalmente, faziam o seu commercio em Lampacau, quando 
em 1557 obtiveram dos chinas o estabelecerem-se na peninsula de 
Macau, como premio de terem expulsado dos seus portos um temivel 
pirata? É, pois, provavel que o nosso Poeta fosse ainda tomar parte 
n'esse combate, que deu aos portuguezes a posse d'aquelle 
estabelecimento, e a elle a do logar para que ía nomeado. 
Querem a maior parte dos escriptores, que tratam da vida de Camões, 
que a ida d'elle para a China fosse degredo imposto por Francisco 
Barreto, por causa da critica acerba que o genio mordaz e independente 
do Poeta fazia ás cousas da India, mas o erudito biographo de Camões e 
seu editor moderno, a quem nos encostamos n'estes apontamentos, 
defende a memoria do governador, e julga que se não deve considerar 
castigo a nomeação para um logar tão rendoso. 
Foi o Poeta infeliz em Macau, porque, dois annos depois de chegar, nos 
primeiros mezes de 1558, veiu preso para Goa, á ordem do governador, 
por accusações sobre a sua administração dos bens dos defuntos e 
ausentes. Quem sabe se elle vinha pagar as culpas do seu antecessor
Ayres Botelho? Foi n'esta viagem de regresso a Goa que elle naufragou 
na costa de Camboja na Cochinchina, salvando-se a nado com o seu 
poema, e perdendo tudo o mais que possuia. A este naufragio allude 
elle quando diz que o rio Mé-kong 
receberá placido e brando
No seu regaço o Canto, que molhado
Vem do naufragio triste e miserando,
Dos procellosos baixos 
escapado,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto 
mando executado
Naquelle, cuja lyra sonorosa
Será mais afamada 
do que ditosa. 
(Lus. X, 128.) 
Chegado a Goa, onde já estava o novo vice-rei D. Constantino de 
Bragança, foi o Poeta solto, tendo-se justificado das accusações por que 
vinha preso. Desde então até 1567 succederam-se as suas viagens por 
todo o Oriente, e é provavel que acompanhasse D. Diogo de Menezes a 
Malacca e d'ahi fosse percorrer as Molucas e chegasse mesmo ao 
Japão. 
Voltou a Goa pelo meiado de 1567, e foi agraciado pelo vice-rei D. 
Antão de Noronha com a sobrevivencia no cargo de feitor de Chaúl, 
logar de representação e bom ordenado. Não chegou, porém, o Poeta a 
tomar posse d'elle, porque, cansado de perseguições e soffrimentos, 
aproveitou o offerecimento de passagem que lhe fez Pedro Barreto, o 
qual ía por capitão-mór para Moçambique, e com elle deixou Goa em 
1567, fazendo assim a sua ultima viagem no oceano Indico. Em 
Moçambique esteve    
    
		
	
	
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