quero então que a nossa casa 
diga
Bondade e alegria de viver. 
Terá um só andar. Grandes alturas
Causam vertigens, trazem 
ambições.
Os sonhos de riqueza e d'aventuras 
Enchem as almas de desillusões.
A f'licidade vem ás creaturas
Da 
pacificação dos corações. 
As portas sem degraus. Que sejam rentes
Da terra. Portas largas e 
rasgadas,
Convidativas, francas, attrahentes; 
Ao rez da terra, para as aleijadas
e os tropegos velhinhos indigentes
Se não cançarem a subir escadas...
Amplas janellas para a natureza.
Que o sol na sua clara irradiação
Dissipe atravez dellas a tristeza; 
Amplas--e baixas. Quem precise pão,
E o vir da rua sobre a nossa 
meza,
Que estenda o braço, que lhe lance a mão... 
Ao lado um horto e um jardim fragrante,
Sem grades aguçadas para o 
céu.
A grade é agressiva, hostilisante, 
E sempre a impressão cruel me deu
Dum dono que bradasse ao 
caminhante:
--Tudo isto aqui é meu, sómente meu... 
Sem gradeamento. Um murosito apenas
Revestido de rosas de toucar,
De ariolas, de glicinias, de verbenas. 
Muro d'onde os que forem a passar
Vejam lilazes, cravos, assucenas...
--E a paz, a doce paz do nosso lar. 
O QUE O FOGO POUPOU DUM POEMETO QUEIMADO 
_Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_ 
I 
Escrevo em testamento este poema
Que elle tenha, na angustia com 
que o ligo,
O brilho rutilante duma gemma
Achada nos farrapos 
dum mendigo... 
Ao vesperal crepusculo da vida
E sob o olhar da morte é que o 
componho;
Erguendo assim, por minha despedida,
O ultimo escalão 
dum alto sonho. 
Nesse degrau que d'entre os soes dispersos
Hade attingir a cúpula dos 
céus,
Direi ao mundo os derradeiros versos,
Porei o coração nas 
mãos de Deus!
E as mãos de Deus que os astros têm guiado
Como se leve pluma 
cada um fôra,
Hão de o sentir pesar, sollicitado
Pelo logar da terra 
onde ella móra... 
II 
...Sei lá pintar!
Se eu soubesse pintar, era pintor. 
Guedes Teixeira 
Na mais alta cidade portuguêsa
Nasceu, para abrandar meu fundo mal,
A mais santa, a mais cheia de pureza
Das moças deste lindo 
Portugal. 
Os seus olhos são tristes e suggerem
Todo um passado de resignação.
São tristes, certamente por não verem
O rosto incomparavel onde 
estão... 
A voz é clara como as assucenas
E dolorida, candida, modesta.
É 
dolorida, porque sente penas
D'abandonar a sua bocca honesta... 
O riso, que é em nótulas delidas
Vibra em seus labios tão 
rapidamente
Como um beijo d'amor, ás escondidas,
Na curva duma 
estrada em que vem gente... 
A mão della, uma vez, poisou na minha;
Pareceu-me ao sentir-lhe a 
commoção,
Que era o seu proprio coração que eu tinha
A palpitar 
dentro da minha mão... 
Se passa, ás tardes, e de traz cahindo,
O sol abraza os longes da 
paizagem,
A sombra que em sua frente vae seguindo
É a luz--a 
abrir-se, p'ra lhe dar passagem... 
Se passa, acalma os corações maguados
Como outr'ora as parabolas 
de Christo
Acalmavam a dôr aos desgraçados.
Acalma os corações?! 
Não... não é isto.
As estrophes d'amor, a quem o sinta,
Dão um trabalho cheio de 
tormento;
O tenebroso liquido da tinta
Apaga, rouba a côr ao 
sentimento. 
Quiz celebrar dum modo original
As finas graças do seu corpo. 
Errei-as.
Oh Fórma! És como um fato d'hospital.
Palavras! Sois a 
nevoa das ideias... 
MELODIA CONFIDENCIAL 
(De Albert Samain) 
A L.C. 
Num andamento
Discreto, lento,
Mal se ouve o pêndulo lavrado e 
antigo. 
Vamos vogando
No lago brando
E sem limites do silencio amigo... 
O ultimo e cavo
Accorde do cravo
Ficou vibrando 
exclamativamente. 
E, em espiral
Ascencional,
Cingiu-nos num abraço enlanguescente. 
Na alcatifa macia
Entrou na agonia
Uma rosa sedenta e 
abandonada, 
E a ambos nos invade
A mistica vontade
D'entrar na morte, no não 
ser, no nada... 
Com seu docel vermelho
Forrado d'oiro velho,
Que evoca velhas 
eras d'esplendor, 
O leito pesado,
Como um deus concentrado,
Remembra 
obscuramente o nosso amor... 
Na atmosphera morna
O teu corpo entorna
Um perfume subtil,
sensual, complexo, 
Aroma inapagavel,
Philtro informulavel
Gerado á chama clara do 
teu sexo. 
Teus olhos silentes
E transparentes
Teem, no fundo, verdes 
melancolicos, 
E as brazas do fogão,
Já quasi extinctas, dão
Clarões hypnotisantes 
e symbolicos... 
Amêmo-nos assim
Com um amor sem fim,
Verdadeiro na carne e 
nas ideias; 
P'los dedos enlaçados
Sejamos penetrados
D'amor, até ás mais 
miudinhas veias. 
Em extasis intensos
Quedemo-nos suspensos
Por sobre a terra 
ironica e brutal 
Sem nada saber,
Sem nada ver,
--Numa vida isolada e musical... 
Não fales. Não?
Ou se o fizer's, então
Que seja de vagar, muito 
baixinho, 
Numa toada, leve
Como o halito breve
Duns labios d'anjo numa pel' 
d'arminho... 
O PASSEIO DE SANTO ANTONIO 
A Columbano 
La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous de puiser, 
dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables pretextes à 
fiction qu'il recèle. 
(_Litterature à Tout á L'Heure_.)
Sahira Santo Antonio do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um candido sermão sobre o 
peccado. 
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite placida 
baixando... 
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com arvores e casas 
espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma legua das fartas, 
das puxadas. 
Surprehendido por se vêr tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descançar o bom do monge,
Com a resignação de 
quem é santo... 
O luar, um luar clarissimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade
O 
Menino    
    
		
	
	
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