Lagrimas Abençoadas | Page 3

Camilo Castelo Branco
seu reconquistado Eden, a colher a flor da dignidade, regada pelo sangue do filho de Maria.
II
Este dia, jubilo de anjos, para os quaes os orvalhos do céo, fecundando as aguas do baptismo, geram na terra um irm?o; jubilo de seus paes, que, depois de quatro filhos, tinham um novo penhor de innocencia para, em seu nome, agradecer, com labios puros, as esmolas do céo; jubilo da egreja catholica, que estremece de felicidade, quando entra em seu seio um filho, que lhe gosta o leite da virtude, como sustento da immortalidade: este dia amanheceu em 1827.
Maria era o incentivo de tanta alegria. Nos bra?os de sua m?e, com o seu olhar errante pelas faces desmaiadas d'ella, que parecia sorve'-la com os seus beijos, como se aquelles fossem os ultimos; Maria, a afilhada da Senhora da Concei??o estava alli asseverando o que tantos diziam da luz mysteriosa, que na pia do baptismo, lhe illuminava a face.
A pureza dos anjos, n?o será como a santidade do predestinado!? E o justo, na ultima hora da sua passagem na terra, quando o anjo da serenidade lhe alveja o rosto com as suas azas transparentes, n?o será como a creancinha immaculada, cuja alma vem brincar-lhe ao rosto com toda a pureza e innocencia, que o halito creador lhe bafejou!?
A m?e de Maria chorava e as suas lagrimas desconsolavam o pae, que as n?o queria ver n'aquelle dia, n'aquella hora, t?o faustosa, t?o de gala para os parentes, que se abra?avam em redor do leito.
Mas fossem calar-lhe o presentimento no cora??o! Digam á fl?r que n?o penda amortecida sobre a haste, quando o sol se esconde! Digam ás lagrimas, que estanquem nos olhos, quando o que chora n?o sabe d'onde ellas nascem, nem o que contempla sabe a linguagem do espirito, para consola'-lo em seus presentimentos sobrenaturaes!
Porque é que aquella m?e n?o buscava o allivio no sorriso de seu marido? Porque n?o olha ella para os seus? Que é t?o consolador ahi como a presen?a de um marido amado, quando a fraca mulher quer desafogo?
N?o bastam allivios do mundo para essas ancias.
Deus! sim, para todas as afflic??es, para todos os presagios, para todos os temores, para todas as m?es que vaticinam desventuras a suas filhas!
Deus! E na sua imagem é que aquella m?e fitava os olhos. Depois, ao lado de Christo, estava outra imagem: era Nossa Senhora da Concei??o. Que lhe dizia aquella pallida mulher, com sua filhinha nos bra?os? Ouviram-lhe só as derradeiras palavras:
?Minha Mae Santissima! entrego-vos a vossa afilhada!?
Viram um sorriso nos labios de Maria. Seria um acto maquinal dos labios? Porque é que os adultos n?o sorriem maquinalmente?... Lisongeiras duvidas para o homem que pensa nos segredos do homem.
III
Decorreram sete annos.
Eu n?o devo aqui pintar um quadro de guerra. Seria salpicar de sangue a tela onde me propuz tra?ar uma figura grandiosa, com o colorido suave da religi?o. Abomino a historia, se é for?a lembra'-la a testemunhas oculares. Ha ahi muitos escolhos que ludibriam os mais atilados pilotos. Escandecencias politicas n?o se refrigeram com o orvalho do céo. Se do pulpito o hyssope muitas vezes as exacerba, que fará d'aqui?!
E tomára eu que estas linhas, pallido reflexo do que ha de incommunicavel no meu cora??o, accendessem o amor de Deus, apagando a flamma das inimizades humanas! Tomára eu lagrimas e dó, e paz e esquecimento para os homens, que n?o devem aqui encher uma pagina de odio n'um livro que aconselha a resigna??o. Durmam uns e outros o breve somno, que vae do anoitecer da vida á alvorada do archanjo. Ver-nos-hemos em volta do juiz, que, nos seus dias de réo entre a humanidade pervertida, dissera:
?Só a mim pertence julgar os bons e os maus!?
Bemaventurados os que esperam.
IV
1834!
Foi um anno de muitas lagrimas. Debaixo d'este formoso céo esperdi?ou-se muito sangue. As espadas ter?avam por duas causas, quando dois cora??es do mesmo sangue, na vanguarda de dois exercitos irm?os, anciavam aniquilarem-se. E, se, após o ruido das armas, se fazia o silencio tetrico da morte, prorompiam depois os gritos das m?es, das viuvas e dos orph?os. Paiz, onde esta harmonia de angustias se levanta de milhares de labios para o céo, prova-se no supremo infortunio, e symbolisa o holocausto de uma vingan?a tremenda.
Tremenda... como a de Gaza e Moab!
?Que é dos teus edificios de marmore, cidade dos obeliscos!?? dizia o propheta das lagrimas.
N?o vedes em Portugal os fustes das columnas dispersas na ruina dos grandes edificios?
N?o vedes!--Pois que tem esta terra de commum com Moab e Gaza?
Que tem?!
O enviado de Deus responderia:
?Que é dos teus edificios de virtude, terra da honra e da probidade??
?Que importam os coruchéos de vossos palacios, Balthazares do tempo, se lá n?o está a cruz veladora das felicidades da vida?!?
* * * * *
M?e de Maria, porque choravas tu?
As tuas lagrimas já n?o eram um mysterio;
* * * * *
V
Uma vez,
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