morte, prorompiam depois os gritos 
das mães, das viuvas e dos orphãos. Paiz, onde esta harmonia de 
angustias se levanta de milhares de labios para o céo, prova-se no 
supremo infortunio, e symbolisa o holocausto de uma vingança 
tremenda. 
Tremenda... como a de Gaza e Moab! 
«Que é dos teus edificios de marmore, cidade dos obeliscos!?» dizia o 
propheta das lagrimas.
Não vedes em Portugal os fustes das columnas dispersas na ruina dos 
grandes edificios? 
Não vedes!--Pois que tem esta terra de commum com Moab e Gaza? 
Que tem?! 
O enviado de Deus responderia: 
«Que é dos teus edificios de virtude, terra da honra e da probidade?» 
«Que importam os coruchéos de vossos palacios, Balthazares do tempo, 
se lá não está a cruz veladora das felicidades da vida?!» 
* * * * * 
Mãe de Maria, porque choravas tu? 
As tuas lagrimas já não eram um mysterio; 
* * * * * 
V 
Uma vez, a esposa do coronel, com sua filhinha de sete annos, 
ajoelhava diante da imagem da Senhora da Conceição e murmurava 
esta prece: 
«Virgem Maria, nunca a vossos pés caíram mais afflictas lagrimas! 
Attendei-me, Senhora, que eu sou uma fraca mulher, mãe de cinco 
filhos, esposa de um homem, que é o amparo d'esta pobre familia, que 
vos ajoelha! Vêde, ó Mãe dos afflictos, que o tumulo de meu marido é 
o tumulo d'estes orphãos, e o d'esta mãe desvalida, que não tem um 
palmo de terra onde possa regar com suas lagrimas um fructo, que mate 
a fome de seus filhos. Protegei-o, ó Senhora, n'esta guerra desastrosa, 
em que a cada instante cáe um pae de familia, tão desgraçada como a 
minha! Eu não vos peço as honras, e a subsistencia que meu marido 
ganhára no serviço da sua patria: o que eu vos peço é muito mais... é a 
vida de meu marido, mas só a vida, sem a gloria de vencedor, sem o
premio do seu sangue derramado, sem mais outra riqueza que a do 
coração que elle tem, e a resignação com que vós, consoladora do 
infortunio, e eu, esposa extremosa, lhe adoçaremos a desgraça! Os 
labios da vossa afilhada não murmuram a oração de sua mãe, mas o seu 
coração é aquelle que vós lhe déstes ha sete annos! Eu vos supplico em 
nome d'ella. Fazei que estes olhos não sintam tão cedo o travo das 
lagrimas, que chora sua mãe! Piedade para todos nós!... amparo para 
meu marido... compaixão para todas as mães atribuladas, que, n'este 
momento, vos pedem, como eu, a vida de seus maridos...» 
E era esta a oração que os suspiros não poderam cortar. Assim simples 
e angustiada, confirmava a verdade de uma grande dor que não escolhe 
palavras, nem se atavia das pompas do estylo. Quem orou n'um d'estes 
lances, sublimes no tormento, pela explosão da agonia com que se 
refugiam no céo, compreenderá o cunho pungente, marcando a mais 
insignificante d'essas palavras, que proferiam os labios febris da mulher 
consternada entre seus filhos. 
E, depois, a mãe de Maria foi deitar sua filha, e, acalentando-a, 
estremecia ás vezes, como se os accessos de uma convulsão a não 
deixassem aquietar-se ao lado do seu anjo. É que a cada trom remoto da 
artilharia, nas linhas de Lisboa, aquella afflicta esposa de um homem de 
guerra sentia o véo da viuvez descer-lhe na face, e o luto da orphandade 
envolver aquellas cinco existencias, para nunca mais se mostrarem no 
mundo com direito a serem amadas por alguem. E os outros quatro 
meninos aconchegavam-se no regaço d'ella; fitavam-n'a, como os 
passageiros de um barco em perigo fitam o semblante do homem a 
quem se confiaram; e, no choro, modelado pelos gemidos de sua mãe, 
compunham uma consonancia de vagidos, e brados, e soluços. Quando 
assim se soffre, a indifferença do Eterno seria um cruel desengano para 
os infelizes, que se acolhem ao abrigo das suas misericordias... Não 
haveria Deus: a justiça divina seria uma astucia humana. 
A oração é um respiradouro de espirito, quando a mão da desventura o 
comprime até lhe abafar a derradeira esperança na terra. A oração não 
tem nada com este mundo. Pedir a justiça do céo para as injustiças da 
terra e renunciar a toda a vingança, é pedir a felicidade de nossos
inimigos, porque Deus é misericordioso, e não precisa de fulminar o 
poderoso para vingar o fraco. Orar é caír de joelhos, e muitas vezes não 
articular dois sons de uma supplica: é não atinar com a linguagem de 
falar a Deus, porque a sciencia do mal, exclusiva do homem, só inspira 
ao desgraçado expressões para que os homens o compreendam. Aquella 
mãe afflicta, quando orou, orava assim. Seu marido com o peito na 
frente de regimento era o alvo das balas inimigas. Na sua frente um 
outro coronel, escravo das suas convicções, da    
    
		
	
	
	Continue reading on your phone by scaning this QR Code
 
	 	
	
	
	    Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the 
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.
	    
	    
