impossivel,
Porque sem vella, a dor mais 
insoffrivel
Creio, que dentro n'alma padecesse,
Como a flor, que 
sem Sol murcha, e não cresce.
Ah! Se eu agora a visse, e lhe fallasse,
Talvez que a meus gemidos se abrandasse:
E póde ser, que a 
achasse arrependida
De perder, quem por ella perde a vida.
Oh quão 
feliz seria a minha sorte,
Se ella abrandasse aquelle genio forte!
Do 
desprezo, e d'affronta eu me esquecêra,
Se hum riso, se hum sinal de 
amor me déra.
Tudo, tudo por ella perderia:
Sem gado, sem 
choupana ficaria:
Sujeitar-me-hia pelos seus amores
A viver das 
esmolas dos Pastores:
Pois sem logralla, tudo me he penoso,
E 
logrando-a, sou pobre; mas ditoso. 
LAURINDO. 
Se amas com tanto extremo a huma traidora,
Que mais fizeras, se fiel 
te fôra?
POLYFEMO. 
Esta alma, que me anima, se pudesse,
Creio, que em paga d'esse amor 
lha désse,
Amando-te, era justo premialla;
Mas desprezando-te, he 
loucura amalla:
Sim, que o homem não mostra ser discreto
Amando 
a falsa, que tem outro objecto:
Pois daqui nasce a mancha da 
deshonra,
E antes se perca a vida, do que a honra.
Que se havia 
dizer na nossa Aldêa,
Se depois dessa ingrata Galatéa
Por outro te 
deixar, tu a buscasses,
Esquecido d'affronta inda a estimasses?
E 
não tremias, não te envergonhavas
De dizerem, que a honra 
desprezavas?
Ah! Querias do amor ser arrastado,
Perdendo a fama, 
e credito de honrado?
Dize, responde, a falla não escondas;
Mas ou 
me vence, ou nada me respondas. 
POLYFEMO. 
Nada responderei por defender-me,
Pois por sábio chegaste a 
convencer-me:
Se a paixão me cubrio de escuridade,
Tu me 
mostraste as luzes da verdade:
Agora já conheço, que essa ímpia
Mais féra, que o dragão, que o monte cria,
Nem amor, nem piedade já 
merece,
Pois por outro me deixa; e assim se esquece
Da fé, que me 
jurou, e da lealdade,
Com que sempre a tratei; que a falsidade
Não 
podia caber n'hum peito amante,
Que ainda offendido mostra ser 
constante.
Eu, que até ás Pastoras, quando as via,
Nem ainda, o Ceo 
vos guarde, lhes dizia:
E se acaso de longe as avistava,
Por lhes 
fugir, a estrada rodeava.
Tudo isto por fineza áquella infame,
Que, 
só tão feio nome, he bem lhe chame;
Porque a saber, que ás outras eu 
fallava,
Não julgasse, que alguma me agradava;
Porém que premio 
vim a tirar disto?
Sabes o que? Com todos ser malquisto:
Desprezarem-me todos, ver-me agora
Aqui só, sem amigos, nem 
Pastora:
E a falsa, tanto extremo desprezando,
Amar outro, e ficar 
de mim zombando!
E soffro tal injúria sem vingar-me!
Poderei 
socegar sem despicar-me!
Não, não socegarei, que hum peito irado
Socega só depois de estar vingado.
Sim, vou já despicar-me... Mas
que intento!
Que faço! Aonde vou! Que pensamento
He este, que 
me occorre! Oh quanto errado
Gyra o discurso de paixão cercado!
Eu matar Galatéa! Oh que vileza!
Naquella rara imagem da belleza
Descarregar o golpe penetrante!
E havião ver meus olhos nesse 
istante
Aquelle brando peito traspassado!
O rosto, bem qual Sol 
quando eclipsado!
E os olhos, que daquelle Sol são raios,
Perdendo 
a luz na sombra dos desmaios!
Aquellas lindas faces tão córadas
Eu 
poderia vellas desmaiadas!
A boca rubicunda, e graciosa,
Bem qual 
entre jasmins a linda rosa,
Eu teria valor, teria vida,
Para vella sem 
graça amortecida!
E havião escutar-lhe os meus ouvidos
O pranto, 
os ais, e os ultimos gemidos:
Já com trémola voz, e a cada instante
Vella convulsa, afflicta, e delirante,
Sem alento, sem côr desfalecida,
Dando hum suspiro, e acabando a vida!
Oh Ceos! Que horror 
concebo em ponderallo!
Eu tremo, gélo-me, e de dor estallo:
Que 
coração tão barbaro haveria,
Que obrasse tão enorme tyrannia?
Eu 
teria valor, se a offendesse,
Para vella morrer, sem que eu moresse?
Não, não teria tanta impiedade,
Que vendo cahir morta hume Deidade,
Não me sahisse deste insano peito?
O duro coração de dor desfeito.
Nem mais contemplar quero tal desgraça,
Que parece, que o Ceo já 
me ameaça,
Que a terra vejo abrir, que já comigo
Se abate, e me 
confunde por castigo.
Ah! Minha Galatéa, vive embora,
Bem que 
me sejas infiel, traidora:
Ainda te amo, se bem, que o não mereças;
Eu padeça, mas sem que tu padeças:
Vive feliz, e logra o teu amante:
Oh justos Ceos, que dor tão penetrante!
Mal posso respirar, que até 
o alento
Me soffoca a violencia do tormento.
Vai-te, amigo, e me 
deixa só hum pouco,
Que eu não estou em mim, eu estou louco:
Oh! 
Venha embora a morte rigorosa
Acabar-me esta vida tão penosa. 
LAURINDO. 
Deixa, amigo, esse louco desvario,
Que o ser de homem deslustra, 
offende o brio:
E que o mundo dissesse pertendias,
Que por huma 
mulher enlouquecias?
POLYFEMO. 
Tambem dirá, que não me altéra a offensa,
Pois toléro a inimiga na 
presença. 
LAURINDO. 
Perdoando-lhe tu por generoso,
Que ha de o Mundo dizer? Que és 
virtuoso.
Mas se a fraca mulher ímpio punias,
Só de cubarde o 
nome vil terias. 
POLYFEMO. 
Sim, perdoada está: eu lhe perdoo,
Pois da sua fraqueza me condoo;
Tambem, porque talvez seja innocente,
Se bem que a culpa a 
accuse delinquente;
Galatéa he honesta, he recatada:
Pois quem 
duvida fosse requestada
D'aquelle Ácis traidor, e que a enganasse
Com vãs promessas, para que o amasse? 
LAURINDO. 
Pensas bem que a mulher de honesto estado,
Se dá seu coração, 
sempre he rogado;
Se bem que o rogo algumas não convence;
Mas 
a feia ambição a muitas vence. 
POLYFEMO. 
Sim? Pois hoje verás, que a minha ira
Só contra aquelle infame se 
conspira:
Elle,    
    
		
	
	
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