Epistola de Heloysa a Abaylard | Page 3

Alexander Pope
do teu gremio as primeiras, Saõ plantas que cultivaste, Filhas da
tua piedade. Que o Mundo vaõ desprezáraõ Na mais tenra Mocidade,
Ao innocente Retiro Pela Virtude guiadas Dentro das Paredes sanctas
Por ti mesmo levantadas. O teu zelo fervorozo Tem ornado este
Dezerto, E n'hum Ermo dezabrido Vio-se O Parayzo aberto; Aqui nem
orfaõ aflicto Chora a paterna riqueza Para os Altares roubada, Que fas
profana grandeza; Nem bellos quadros se admiraõ, Nem as dadivas
brilhantes, Offertas de pecadores, Sem virtude agonizantes, Tributo de
hum vaõ dezejo De comprar o Ceo, negado Por cauza do meio torpe
Para alcançar empregado; Mas singela Architetura, Como a Piedade
que a habita, Melhor os Hymnos repete Á Magestade Infinita. Se ao
menos te transportasses Ao lugubre Retiro, Que da pezada existencia
Verá meu final suspiro Debaixo destes Zimborios, De piramides
c'roados, Que os tectos de eterna noite Seriaõ sempre afumados, Mas
pelas sombrias fréstas, Somente huma luz escassa, Com as trevas de
mistura, O Sol medrozo traspassa: Teus olhos dessipariaõ A escuridaõ
tenebroza; E em torno de ti brilhára Huma gloria radioza; Mas aqui
nenhum objecto Consolador se apprezenta, Tudo, tudo ergue gemidos?
E do pranto se alimenta. Vem pois meu Pay, meu Irmaõ, Meu Espozo,
meu Amante, Tua Escrava, tua Irman, Tua Filha nesse instante, Possa

em favor de taes nomes, Nomes que dicta o Amor, Tua excessiva
piedade Excitar em seu favor; Couza alguma melhor põde Dar me
erforso a meditar Ou meus voluveis dezejos De huma vez determinar;
Thè vejo com indif'rença Simples divina belleza Do espetac'lo
qu'off'rece O quadro da Natureza; Estes pinheiros plantados Entre
erguidas Penedias, Donde hum vento surdo agita As suas comas
sombrias: Os regatos serpiando Por entre penhas fragozas Co'murmurio,
que retumba Em as grutas cavernosas; Estes lagos de cristal, Onde
Favonio contente Com seu agradavel sopro Encrespa a face dormente:
Objectos saõ, que algum dia Eraõ por mim taõ prezados, Naõ me daõ
alivio agora Naõ suspendem meus cuidados: Pelos solitarios bosques A
negra Tristeza erra, Esta abobeda sombria Sepulcros somente encerra;
Espalha em torno hum silencio Qual da mort' atro, e medonho, Com
seu ar afea hum quadro N'outro tempo taõ rizonho: Murcha o esmalte
das flores; Fas denegrida a espessura, Thè do Mar horrido o som Que
em sequebrando murmura; Porem devo aqui viver, Em quanto durar o
alento, Da submissaõ a hum Amante, Triste fatal monumento. A morte
so quebrar pode Estas cadeas illezas, Nas suas maõs deixarei Todas as
minhas fraquezas; Entaõ meu ardor extincto Minhas cinzas recolhidas
Aqui esp'rarei que sejaõ Com as tuas confundidas. Ah infeliz! Pois te
julgaõ De hum Deos Espoza leal.... Quando somente es escrava Do
Amor, e de hum Mortal! Vinde, Oh Ceos, em meu socorro... Mas vem
esta imprecaçaõ D'hum effeito de piedade? Ou d'atroz exesp'raçaõ?
Que! No azilo o mais puro De Castidade glorioza, Nutro de hum
profano amor Huma chama criminoza? Eu me devo arrepender.... Mas
fazer posso o que devo? Choro o Amante, e minha culpa A choralla naõ
me atrevo? Eu reconheço este crime, Subjeito a perpetua pena; Mas o
coraçaõ me arrasta Quando o remorso o condemna; Dos prazeres me
arrependo, Em que engolfada medito; E por fragil contextura Outros
iguaes solecito. Mil vezes levanto os olhos Aos Ceos, minha ofença
choro, Outras mil o pensamento Em contemplar te demoro, Electrizada
de Amor Desprezo emfim a innocencia, Que recobrar pertendia Com
austera penitencia; De ti esquecer me posso! Odiar minha fraqueza!
Quando a cauza do delicto He a propria Natureza! Se destruilla
pertendo Sinto emfim, que o seu Author He o pranteado objecto Do
meu excessivo amor! Como separar do crime A minha paixaõ intento,
Se existe em confuza maça Amor arrependimento! Como pode hum

coraçaõ, Qual o meu taõ consternado, Pertender hum vencimento A
esforço humano vedado! Antes que minh'alma possa Seus males
adormecer, Que combates se preparaõ Entre o amor, e o dever!
Arrepender-se mil vezes, Recahir, chorar o amante, Repulsallo; em
tudo incerta... Sem o esquecer hum instante... Mas naõ! Ja ethereo
influxo De todo o temor separa Para consumar meus votos Sacro
auxilio se prepara. Vem meu Pay, faze qu'eu possa A Natureza enfrear,
Qu'amor renuncie, á vida, A mim... Ao proprio Abaylar; Enche do
divino Amor Meu coraçaõ, sim acode; E quando delle evadires
Somente hum Deos entrar pode. Ah! Mil vezes de huma Virgem O
destino afortunado, Que ao seu Creador somente Tem seus dias
consagrado; Esquece o Mundo enganozo, Que assim esquecido a tem,
Com as doçuras do socego Goza o mais solido bem: Humilde
resignaçaõ Faz sua prece attendida; Entre o trabalho, e o repouzo Se
reparte a sua vida: Hum sono doce a dispoem Para a Vigilia, e Oraçaõ;
Tem com serenos dezejos Sempre a mesma inclinaçaõ; He o pranto o
seu thezouro, Aos Ceos penetraõ seus hymnos, Cercaõ a
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