que nos serve amar o que 
não ama?
Ser dolorosa chama,
Sobre campos de neve, errando, ao 
vento?
Andar a perseguir um Anjo fugitivo! 
Entre turbas de mortos não ser mais
Do que um espectro vivo?
Ser 
doido cataclismo!
Ser desprendida folha,
Entregue aos vendavaes,
A voar, a voar em negros vôos afflictos!
Olhar seu proprio sêr 
como quem olha
O fundo d'um abysmo!
E querendo esconder nas 
sombras o seu rôsto,
Para chorar tão intimo desgosto,
Ter de 
invocar a noite em altos gritos! 
Ó meu vulto perdido em trevas misteriosas!
Cégo, a bater de encontro 
ás brutas cousas,
Coberto de feridas, a sangrar...
Sou como a 
sombra em lagrimas do mar;
Nuvem desfeita em chuva;
Um
enorme phantasma de viuva
A rezar e a chorar na solidão sem fim!
Noite de horror sempre abraçada a mim!
Ó noite, onde ha soluços e 
estertores
E procissões infindas de clamores...
Multidões de 
phantasticas mulheres,
A cantar, a cantar sinistros _miséréres_...
Sombras que o vento leva...
Doidos perfis de fogo a rir na treva
Que 
nos desvenda as lividas entranhas,
Com nuvens e contornos de 
montanhas,
Com arvores agitadas de anciedades,
Com 
desgrenhadas, intimas saudades
E tragicos desejos que arrefecem,
Soes que n'um mar de sangue desfalecem! 
Sou a noite em que o mundo se consome:
As cousas mais humildes e 
sem nome,
As estrelas, os Deuses, tudo quanto
Se amortalha na 
sombra do meu canto
Que chora a sua eterna imperfeição!
Sou 
tempestade, noite, solidão,
O frio esquecimento,
A sombra do luar 
bailando com o vento,
Um gemido de nevoa, uma ternura, um ai,
Phantasma d'uma lagrima que cáe. 
Ó triste solidão que me rodeia!
Ó minha amada e pequenina aldeia!
Ó aves a cantar para ninguem!
Flôres que o inverno emurchece,
Mãos erguidas na tarde que arrefece,
Implorando o silencio, a noite, 
as cousas mortas
E os ventos de terror batendo ás portas,
Sem 
destino, a correr por esse mundo além!
Almas crucificadas de 
abandono
Entregues a uma eterna viuvez,
Transparentes de fina 
palidez,
Rezando ao Deus da Morte as orações do outomno...
E tu, 
meu coração amante que palpitas
Nas trevas infinitas!
E ardes 
n'uma fogueira desvairada
E doido te consomes para nada!
Caio por 
terra morto de cançasso,
A propria terra foge ao meu abraço!
Foge 
de mim tambem meu proprio sêr,
Vulto de cinza e poeira...
Homens, 
nem mesmo a dôr é verdadeira!
Sou ilusoria imagem a soffrer
A 
tragica mentira que a formou!
E pelo mundo vou
Na êrma escuridão, 
chorando afflicto,
Como creança perdida no Infinito,
Entre soturnos 
Deuses fabulosos
E mundos de terror vertiginosos... 
O alto sete-estrelo!
Sol velhinho com brancas no cabelo!
Silencio
emudecendo a musica dos ninhos!
Loucura que ergue o mar em 
ondas e soluços
E, exausto, sobre a praia, o faz cair de bruços!
Ó 
pinheiraes sósinhos!
Ó tragedias de fraga e terra! Ó êrmos montes!
Calvarios a sangrar! 
Corações de mulher desfeitos em luar!
Martirisadas fontes!
Medonhos arvoredos!
Chimericos penedos!
Lobos uivando a 
magua que os consome
Á lua que prateia a serra fragarosa...
Magros vultos de pêlo arripiado
Com um sinistro olhar incendiado;
Ferozes esqueletos que têm fome...
Aparições da Plebe tenebrosa;
Odios vivos, relampagos de dôr;
Archotes acendidos,
Na noite da 
desgraça transmitidos,
De mão em mão, com tragico furor! 
Lobos famintos, doidos e profetas!
Leões cheios de sombra e de 
melancolia!
Feras que devoraes por simpatia,
Bramindo, como 
cantam os poetas!
Meu sonho é comungar a Natureza;
Paisagens de 
alegria e de tristeza,
Desertos ao luar, visões de outrora,
Nuvens 
relampejando...
O silencio nocturno, a musica da aurora
Em notas 
de oiro voando...
Quero sentir o amor, o soffrimento
Que apaga a 
luz do sol e faz gritar o vento
E sufoca de lagrimas as fontes
Na 
solidão dos montes...
Quero sentir o vago, o indefinido
D'um astro a 
palpitar nas ondas reflectido.
Quero ser a ilusão, a nuvem, a chimera,
A divina alegria, a virgem Primavera
Que nos desenha, além, n'um 
fundo escuro e frio,
Doirada porta em flor aberta sobre o estio...
Quero brilhar na luz e crepitar
No fogo, e me perder em fumo pelo ar!
Quero tecer os caules verdejantes
E ser em rosa murcha orvalhos 
scintilantes.
Quero abranger o mundo
E o claro ceu profundo;
E 
ter nos olhos meus
As estrelas e as lagrimas de Deus,
E em meus 
braços o gesto de carinho
Que tem um ramo em flôr,
Quando 
ampara e protege com amor
Uma avesinha dentro do seu ninho... 
+(Da terceira Fala do «Jesus e Pan»)+ 
+FIM.+
300 RÉIS 
End of Project Gutenberg's Elegia da Solidão, by Teixeira de Pascoais 
0. END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ELEGIA DA 
SOLIDÃO *** 
 . This file should be named 22907-8.txt or 22907-8.zip ***** 
This and all associated files of various formats will be 
found in: 
 . http://www.gutenberg.org/2/2/9/0/22907/ 
Produced by Vasco Salgado 
Updated editions will replace the previous one--the old editions will be 
renamed. 
Creating the works from public domain print editions means that no 
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation 
(and you!) can copy and distribute it in the United States without 
permission and without paying copyright royalties. Special rules, set 
forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying 
and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the 
PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project 
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge 
for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not 
charge anything for copies of this eBook,    
    
		
	
	
	Continue reading on your phone by scaning this QR Code
 
	 	
	
	
	    Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the 
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.
	    
	    
