Contos dAldeia | Page 2

Alberto Braga
Euzebio. Passado um instante, a gente da aldeia chorava com brados afflictivos, vendo o Sim?o do moleiro atravessar no meio da escolta com os bra?os presos, como um degredado! O velho, assim que lhe arrebataram o filho, ainda tentou abra?al-o; mas--coitadinho!--como já lhe custava a andar, quando chegou á porta, ia o rapaz a subir a encosta.
Aos gritos da visinhan?a acudiu Margarida ao postigo da azenha. Perguntou o que tinha acontecido da outra banda; e, quando lhe disseram que o Sim?o tinha sido levado para a guerra, a pobre rapariga soltou um grito agonisante e cahiu desfallecida nos bra?os do pae.
As aguas tinham engrossado com as ultimas chuvas, e os dois velhos, quando se avistavam de longe, desatavam a chorar, como duas creancinhas!
Decorridos oito dias, a gente da aldeia acordou sobresaltada com o tiroteio, com o rufo das caixas e o som dos clarins. Feria-se uma batalha a pequena distancia.
Quando a tropa alli passou, todos viram o Sim?o moleiro, que parecia outro! Ia magro, esfalfado, com os sapatos rotos, coberto de pó, a espingarda ao hombro, a mochila ás costas e a chorar! Ao passar rente das casas ia saudando os conhecidos, e dizia ás raparigas que pedissem a Deus por elle.
Sahiu do povoado sem ter visto o pae nem Margarida. Levava o cora??o retalhado!
Assim que a filha do Anselmo o soube, quiz logo ir ter aonde podesse falar-lhe.
--Isso, Deus te livre!--disse-lhe do lado uma visinha.--Se lá vaes, lá ficas! E, de mais a mais, teres de falar com soldados! credo!
--Lá isso--atalhou a mo?a--tambem o Sim?o é soldado, tia Joaquina!
Ao fim da tarde principiaram a chegar as ambulancias dos mortos e feridos. Vinham apinhados, uns com as cabe?as ligadas, com as faces empastadas de sangue, outros com os bra?os ao peito, mutilados, outros com as pernas partidas, quasi todos moribundos!
Nunca se tinha visto uma cousa assim! Aos gemidos dos feridos reuniam-se os clamores da gente que se agglomerava para os vêr. Destacavam-se algumas phrases das ambulancias:
--Ai! minha pobre m?e!
--Ai! meus ricos filhos!
E as mulheres, quando isto ouviam, de cada vez choravam mais.
Alguem d'entre o povo ouviu gemer de uma das carretas da ambulancia:
--Meu... pae! Marga... rida! Eu morro!
E viu-se que um dos feridos, que ia reclinado, deixou pender a cabe?a sobre o peito, e descahir um bra?o fóra do carro.
Os artilheiros que levavam pela camba dos freios os cavallos insoffridos, voltaram-se para uma formosa rapariga que os interrogava afflicta. O retinir das molas da carreta, rodando nas lagens irregulares de uma vereda, n?o os deixou ouvir. Mas, de repente, a mo?a aproximou-se mais de um carro, pegou no bra?o que bambaleava, estendido fóra da ambulancia, á mercê dos solavancos, reparou attentamente n'um annel que o morto levava, e principiou a gritar:
--O Sim?o! Morreu! morreu!
E debatia-se angustiada nos bra?os das amigas que a seguravam.
Quando um visinho entrou na azenha do Euzebio, para lhe dar a noticia da morte do filho, encontrou o moleiro sentado na ilharga da cama, a resar, com os olhos postos n'um crucifixo, e um rosarío entre os dedos.
--Rese-lhe por alma!--disse o visinho a chorar.
O velhote, que estava muito mais surdo, ergueu-se, e perguntou espantado:
--O que é?--e applicou os quatro dedos da m?o direita ao ouvido correspondente.
--Morreu!--gritou-lhe o outro.
O Euzebio empallideceu subitamente, aprumou-se, fitou os olhos no visinho; e, sem pestanejar, dirigiu-se apressadamente á cabeceira da cama, e tirou detraz uma espingarda.
--Isso para que é, tio Euzebio?--perguntou-lhe o outro ao ouvido.
--Vou matal-os!--respondeu o moleiro com uma voz convulsa.--Vou matal-os!
Mas quando ia, com a espingarda ao hombro, a transp?r a soleira da porta, cambaleou, e cahiu fulminado para a outra banda...
Na madrugada do dia seguinte, um mo?o de lavoura chegou afflicto a casa, a esbofar, dizendo que, pouco abaixo da azenha, vira um corpo de mulher levado na corrente do rio, a fugir, a fugir!...
* * * * *
Ainda conheci, ha muitos annos, o pae de Margarida.
Era por uma formosa manh? de abril.
O velho estava fóra da azenha, sentado n'uma cadeira de entrevado, com os pés estendidos a uma restea de sol. Em volta d'elle, chilreavam os passarinhos na ramaria frondente do arvoredo.
Referia-me, ao certo, a morte do Sim?o e do seu amigo Euzebio; e, depois, quando chegava ao lance de ter perdido a filha, voltava a cabe?a para o rio, e perguntava baixo, de si para si:
--E a Margarida?!...
E ficava como mentecapto, com os olhos turvos a contemplar as aguas do rio, que derivavam mansamente entre os salgueiros!

A VOLTA DAS ANDORINHAS
Ficava no beiral do meu telhado o ninho das andorinhas. Quando o trolha vinha remedear os estragos da invernia (e ent?o, no Minho, quando o vento sopra do Gerez, oh! Pae do céo! por mais bem construida que seja uma casa, as telhas v?o todas pelo ar, como se fosse um pobre telhado de levadia!) eu tinha sempre o cuidado de lhe recommendar:
--Se ainda lá topar o ninho,
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