com grandes pedregulhos de minerio d'ouro empilhados á entrada. 
Obra extraordinaria! E a raça que a fizera--desapparecera, sem deixar 
um nome, nem outro vestigio de si, além d'aquella estrada e d'aquella 
galeria, que revelavam um grande saber, uma grande industria e uma 
grande força! 
--Curioso! murmurou Evans. Mas conheço melhor! 
E contou-me então que no interior, muito no interior, descobrira elle 
uma cidade antiquissima, toda em ruinas, que tinha a certeza de ser 
Ophir, a famosa Ophir da Biblia. Lembro-me bem a impressão e o 
assombro com que eu escutei a historia d'essa cidade phenicia perdida 
no sertão d'Africa, com os seus restos de palacios, de piscinas, templos, 
de columnas derrocadas!... Mas depois Evans ficára calado, scismando. 
De repente diz:
--Tu já ouviste fallar das serras de Suliman, umas grandes serras que 
ficam para além do territorio de Machukulumbe, a noroeste? 
--Não, nunca ouvi. 
--Pois, meu rapaz, ahi é que Salomão verdadeiramente tinha as suas 
minas, as suas minas de diamantes! 
--Como se sabe? 
--Como se sabe!? Tem graça! Sabe-se perfeitamente. O que é Suliman 
senão uma corrupção de Salomão? O nome das serras, realmente, 
sempre foi serras de Salomão. Além d'isso, uma feiticeira do districto 
de Manica, uma velha de mais de cem annos, contou-me tudo... Isto é, 
contou-me que para lá das serras vive um povo que é da raça dos Zulús, 
e falla um dialecto zulú: mas como força, e corpulencia, e coragem, 
vale mais que os Zulús. Pois n'esse povo ha videntes, grandes 
feiticeiros, que de geração em geração têm trazido o segredo d'uma 
mina prodigiosa, que foi d'um rei branco, muito antigo, e que ainda 
hoje está cheia de pedras brancas que reluzem... De sorte que não ha 
duvida nenhuma. 
Para mim havia toda a duvida. As minas d'Ophir interessavam-me, 
como da nossa crença e da Biblia: mas das minas de pedras brancas 
que reluzem, conhecidas em segredo por feiticeiros zulús, teria 
certamente rido se não fôra o respeito devido a um caçador tão digno 
como Evans. De madrugada Evans partiu, a acabar tristemente nas 
pontas d'um bufalo. E não pensei mais em Salomão, nem nas suas 
minas de diamantes. 
Aqui ha vinte annos porém, n'um encontro muito singular que tive no 
districto de Manica, de novo ouvi fallar das minas de Salomão, e d'um 
modo que para sempre me devia impressionar. Era n'um sitio chamado 
a «aringa de Sitanda». Não ha peor em toda a Africa. Fructa nenhuma, 
caça nenhuma, tudo sêcco, tudo triste--e os pretos vendem os ossos 
d'um frango por fazenda que vale uma vacca. 
Apanhei lá um ataque de febre, e estava fraquissimo, enfastiadissimo,
quando me appareceu um dia um portuguez de Lourenço Marques, 
acompanhado por um serviçal mestiço. Entre os portuguezes de 
Lourenço Marques--ha soffrivel e ha pessimo. Mas este era dos 
melhores que eu vira--um homem muito alto e muito magro, de bellos 
olhos negros, os bigodes já grisalhos todos retorcidos, e umas maneiras 
graves que me fizeram pensar nos velhos fidalgos portuguezes que aqui 
vieram ha seculos e de que tanto se lê nas historias. Conversámos 
bastante n'essa noite, porque elle fallava um bocado de mau inglez, eu 
um bocado de mau portuguez; e soube que se chamava José Silveira, e 
que possuia uma fazenda ao pé da cidade, em Lourenço Marques. 
Na manhã seguinte, cedo, antes de partir com o mestiço acordou-me 
para se despedir, de chapéo na mão, cortez e grave como os antigos, os 
que tinham Dom. 
--Até mais vêr, camarada! 
--Boa viagem! até mais vêr! 
O homem conservava, pregados em mim, os grandes olhos negros que 
rebrilhavam. Depois accrescentou muito sério: 
--Se nos tornarmos outra vez a encontrar, hei de ser a pessoa mais rica 
d'este mundo! E póde contar, camarada, que não me hei de esquecer de 
si! 
Nem ri. Estava muito debilitado para rir. Fiquei estirado na manta 
olhando para o estranho homem que, a grandes passadas, com a cabeça 
alta e cheia de esperança, se mettia pelo matto dentro. 
Passou uma semana, e melhorei da febre. Uma tarde achava-me 
sentado no chão defronte da barraca, rilhando a ultima perna d'um 
d'esses frangos que os pretos me vendiam por chita do valor d'uma 
vacca, e pasmando para o enorme disco do sol que descia ao fundo do 
deserto--quando de repente avistei, escura sobre a vermelhidão do 
poente, n'uma elevação de terreno, a figura d'um homem que era 
certamente europeu porque trazia um casacão comprido. No momento 
mesmo em que eu dera com os olhos n'elle, o homem oscilla, cae de
bruços e começa a arrastar-se pelo chão, lentamente! Com um esforço 
desesperado, ainda se ergueu, e tentou pelo comoro abaixo alguns 
passos que cambaleavam. Por fim tombou de novo, e ficou estirado, 
como morto, contra um tufo de tojo alto. Gritei a um dos meus 
caçadores que acudisse. E quando elle voltou, amparando o homem    
    
		
	
	
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