As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes

Ramalho Ortigão
As Farpas: Chronica Mensal da
Politica, das Letras e dos
Costumes

The Project Gutenberg EBook of As Farpas: Chronica Mensal da
Politica, das
Letras e dos Costumes, by Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz This
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Title: As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos
Costumes Janeiro a Fevereiro de 1877
Author: Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz
Release Date: July 6, 2005 [EBook #16218]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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FARPAS: CHRONICA MENSAL ***

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[Illustration: EÇA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGÃO--AS
FARPAS]
RAMALHO ORTIGÃO--EÇA DE QUEIROZ
AS FARPAS
CHRONICA MENSAL DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS
COSTUMES
NOVA SERIE TOMO VIII
Janeiro a Fevereiro 1877

Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder,
da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das
sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da
politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande
Universo, e da adoração de mim mesmo.
P.J. PROUDHON

SUMMARIO
A actual situação politica. Conceituosa parabola das moscas e das
maselas. O partido revolucionario e o partido conservador. A funcção
de um e outro d'estes partidos. Anarchia ou retrocesso. Extincção do
partido revolucionario por falta de idéas. Mancommunação
conservadora. Philosophica historia de uns almocreves e de um pipo de
vinho. A profunda synthese do pipo do Estado.--As inundações. Crise
meteorologica. Theoria da chuva. Os irrigamentos e as cheias. As
civilisações e os rios. As previsões industriaes e economicas. O
regimen das torrentes. A arborisação. Os diques provisorios. As fontes
de Palissy. Crise economica. O Estado e o Inundado. Troca de

correspondencias. Lisboa durante a crise: os salões, os espectaculos, a
imprensa, o parlamento. Intervenção de sua magestade a rainha. A
caridade como elemento de administração. Autopsia do anjo. De como
este não baixou do ceu. Demonstra-se que saiu da arcada do Terreiro do
Paço. A intervenção dos Prelados. As preces para mudar o tempo e os
observatorios para o estudar. Os moinhos do Tibet e as cabaças dos
Kalmuks. A intervenção da colonia portugueza no Brazil. O brazileiro
que parte, e o brazileiro que chega. O patriotismo dos nostalgicos. A
commissão de soccorros.--Um banquete militar. O que se passa dentro
dos craneos sob a pressão das barretinas.--O centenario da Academia
das Sciencias. A tradição academica. A Academia, berço da revolução
e da liberdade. Ferreira Gordo, o abbade Correia da Serra, o padre
Antonio Pereira, o duque de Lafões, academicos e jacobinos.--_O
crime do Padre Amaro_ romance d'Eça de Queiroz.
A situação politica...
Mas, perdão--antes de encetarmos este assumpto, uma pequena
historia:
Era uma vez um velho burro. Fora madraço e manhoso. Não
conquistára amigos porque os não merecia. Tinham-o lançado á
margem no fim da vida. Principiou a viver ao acaso, pelos montes. Um
dia achava-se defronte de um vallado, estacado ao sol sobre as suas
quatro patas, inerte, immovel, olhando para um cardo secco com os
seus grandes olhos redondos e encovados em orbitas esqueleticas,
pensando nas vicissitudes da vida e procurando arrancar do seu cerebro,
para se consolar, algumas idéas philosophicas.
Passou por elle e deteve-se a contemplal-o um joven asno, no viço das
illusões, cheio de amor e de zurros, de alegria e de coices. A vetusta
ossada angulosa do ancião parecia furar-lhe a pelle resequída e aspera.
Um espesso enxame de moscas cobria-lhe as mataduras do lombo e
dava-lhe o aspecto de ter um albardão feito de zumbidos e d'asas sobre
um fundo de missangas pretas e palpitantes,--coisa rabujosa á vista.
--Sacode esse mosqueiro, disse-lhe o burro novo. Dar-se-ha o caso de
que, á similhança do homem, deixasses tambem tu atrophiar o precioso

musculo que ahi tens na face para por meio d'elle abanares a orelha e
moveres a pelle?... Sacode-te, bestiaga!
Ao que o lazarento, pausado, retorquiu:
--Não sabes o que zurras, joven temerario! O destino de quem tem
maselas é que o mosqueiro o cubra. As moscas que tu vês, e de que o
meu cerro é a estalagem com mesa redonda, são moscas fartas, teem a
mansidão abundante dos estomagos cheios. Se eu as sacudisse, viriam
outras,--as famintas, de ferrões gulosos, que zinem como frechas,
pousam como causticos, mordem como furunculos. As que tu vês
prestam-me um serviço impagavel:--livram-me das que podem vir; são
o meu xairel benigno e suave, o meu arnez, a minha couraça. Quando te
chegar a idade de seres pasto de moscas (e breve te soará essa hora
porque a mocidade é, como a
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