As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes | Page 4

Ramalho Ortigão
para pedir chuva; hoje em dia a chuva n?o se pede, manda-se-lhe simplesmente que caia, e ella cáe precisamente no ponto que se lhe designa.
Ha poucos annos ainda, no Baixo Egypto, n?o chovia nunca. Os celleiros eram construidos ao ar livre, a descoberto, sobre os telhados. Desde tempos immemoriaes que o vento secco do norte mantinha esse estado de coisas na referida regi?o. Um dia, porém, a corrente septentrional chega á Alexandria e encontra uma certa difficuldade em passar com a rapidez do costume; detem-se um momento, retarda-se um instante: basta isso para que ella se dilate, para que se eleve no espa?o, para que arrefe?a na raz?o da altura a que subiu e para que, por-consequencia, se converta em chuva. D'onde viera esta poderosa resistencia á invas?o do vento esteril? De uma revolu??o geologica na configura??o do solo? Do encontro de um vento opposto? Da influencia calorifica da radia??o solar? N?o. A voz de preso dada ao vento norte, o encarceramento d'elle n'uma certa por??o do espa?o, a sua condemna??o inilludivel a condensar-se e a ser chuva, f?ra simplesmente a obra do homem, que vencera o vento plantando a arvore.
As florestas que têem o poder de occasionar as chuvas por meio da sua interferencia na corrente dos ventos, possuem ainda a propriedade de lhes regular os effeitos impedindo os excessivos irrigamentos, e as inunda??es.
Além de certos processos de cultura e de arborisa??o nos cabe?os dos montes e nas encostas das colinas, ha outros meios de impedir os estragos das cheias,--dando aos rios um regimen torrencial, operando largos cortes transversaes nos declives do solo para regular a descida das aguas, construindo tubos de drenagem, etc.
Quando um dique, como o de Vallada, se rompe por effeito de um repentino augmento no volume da agua no leito de um rio, ha meios praticos, prontos, expeditos, de construir diques provisorios. O sr. Babinet, nos seus estudos ácerca da chuva e do irrigamento da Fran?a, lembra para os casos analogos ao de Vallada a construc??o de barreiras feitas com grandes caixas de ferro fundido similhantes ás que transportam a agua potavel nas navega??es de longo curso. Estas caixas enchem-se com a mesma agua do rio e sobrep?em-se ou enfileiram-se de encontro á corrente até formarem um obstaculo de dimens?es adquadas ao volume da agua que se tem por fim represar.
O mesmo sr. Babinet suggere para o meio preventivo da arborisa??o o sabio alvitre, t?o moralisador, de organisar regimentos de plantadores formados de corpos de veteranos, cujas pra?as encontrariam n'esse trabalho um suave emprego da sua actividade, que o Estado poderia utilisar remunerando-a com liberalidade superior á importancia mesquinha do soldo e proporcional ao servi?o prestado por esses cidad?os, até hoje inuteis, á salubridade e á riqueza publica.
Por occasi?o das ultimas inunda??es em Fran?a, das recentes inunda??es na Inglaterra, os meios apontados e muitos outros, descobertos pela sciencia no momento do perigo, em frente da catastrophe, têem sido objecto dos mais graves estudos por parte do governo, por parte da imprensa, por parte principalmente das corpora??es especiaes, dos meteorologistas, dos engenheiros hydrographos, dos de florestas, dos de pontes e cal?adas, etc.
Em Portugal deante do facto da inunda??o espraiada sobre as povoa??es do Ribatejo, e das margens do Guadiana, a quest?o principal, a quest?o summa, a quest?o technica, é posta completamente de parte, ou nem sequer chega a ser afastada: n?o concorre no problema, é como se n?o existisse!
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Em face do desastre, dos nossos periodicos, do nosso parlamento, dos nossos proprios estabelecimentos de instruc??o, irrompe um só grito enorme, consternado, lacrimoso, impotente, imbecil:--_Caridade! Caridade! Caridade!_
Parece n?o se ter unicamente em vista achar um remedio, mas cumprir uma expia??o que minore os castigos do Ceu!
Um antigo proloquio egypcio dizia: Chuva em Tebas, desgra?a no Egypto. A popula??o portugueza n?o mostra ter da chuva uma comprehens?o menos supersticiosa que a da tradi??o tebana. Estamos na metaphysica dos cataclismos incommensuraveis.
Debalde a meteorologia--com quanto em estado rudimentar, n?o constituida ainda em sciencia sobre bases experimentaes e com processos deductivos,--nos annuncia, ainda assim, que n?o ha nos phenomenos do ar aberra??es extraordinarias, inaccessiveis á previs?o, mas sim uniformidades periodicas de success?o, as quaes o estudo das ondas atmosphericas e da ac??o magnetica do globo, estudo dirigido harmonicamente em uma cinta de observatorios que cinja ininterrompidamente o globo, chegará por certo a poder um dia regulamentar systematicamente. Definir-se-ha o sentido scientifico do sonho symbolico das vaccas magras e das vaccas gordas, demonstrando-se como aos annos de estiagem e de fome succedem annos compensadores de irriga??o e de abundancia.
Debalde a historia nos mostra que foi das inunda??es dos grandes rios que saiu a inicia??o dos grandes progressos humanos; que foi das inunda??es do Nilo que procedeu a civilisa??o do Egypto; das inunda??es do Hoang-Ho que procedeu a civilisa??o da China; das inunda??es do Euphrates, que procedeu a civilisa??o da
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