muitos europeus
Quasi prefere já (horrivel 
impiedade!)
Á falsificação do vinho do bom Deus
O vinho genuino 
e puro da verdade; 
E como já por isso, (assim como era d'antes)
A Igreja não nos queime 
e o rei não nos enforque,
A curia procurou mercados mais distantes,
O Japão, o Perú, a Australia e Nova York. 
Os _comis-voiageurs_ de Roma--os Lazaristas
Com as carregações 
vão atravez do oceano,
Por toda a parte abrindo os armazens papistas,
A fim de dar consumo ao vinho ultramontano. 
Em cada igreja existe uma taberna franca
Para impingir a tal mixordia, 
o tal horror,
Ou secca ou doce, ou velha ou nova, ou tinta ou branca,
Segundo as condições e a fé do bebedor. 
Para Hespanha vão muito uns vinhos infernaes,
Um veneno explosivo 
e forte que produz
Um delirio tremente--o General Narvaes,
E um 
vomito de sangue--o cura Santa Cruz. 
Portugal quer vinagre. A Italia quer falerno.
Veuillot quer agua-raz 
que ponha a lingua em braza.
E John Bull, por exemplo, um pouco 
mais moderno,
Manda ao diabo a botica, e faz a droga em casa. 
Ao povo, esse animal, que o Padre Eterno monta,
Como é pobre, 
coitado, então a Santa Sé
Fabrica lhe uma borra incrivel, muito em 
conta,
Um pouco de melaço e um pouco d'agua-pé. 
A fina flôr christã, a flôr altiva e nobre,
O rico sangue azul do bairro
S. Germano,
Para quem o bom Deus é um gentil-homem pobre
A 
quem se dá de esmola alguns milhões por anno. 
Essa como detesta os vinhos maus, baratos,
Como é de raça illustre e 
debil compleição,
Mandam-lhe um elixir que serve para os flatos,
Ou para pôr no lenço ao ir á communhão. 
De resto ha quem, bebendo essa tisana impura,
Sinta a impressão que 
outr'ora o nectar produzia.
São milagres da fé. Ditosa a creatura
Que no ruibarbo encontra o sabor da ambrosia. 
E eu não vos vou magoar, ó almas côr de rosa
Que inda achaes neste 
vinho o esquecimento e a paz!
Não insulto quem bebe a droga 
venenosa;
Accuso simplesmente o charlatão que a faz. 
A CARIDADE E A JUSTIÇA 
No topo do calvario erguia-se uma cruz,
E pregado sobre ella o corpo 
do Jesus,
Noite sinistra e má. Nuvens esverdeadas
Corriam pelo ar 
como grandes manadas
De bufalos. A lua ensanguentada e fria,
Triste como um soluço immenso de Maria,
Lançava sobre a paz das 
coizas naturaes
A merencoria luz feita de brancos ais.
As arvores 
que outr'ora em dias de calor
Abrigaram Jesus, cheias de magua e dôr,
Sonhavam, na mudez herculea dos heroes.
Deixaram de cantar 
todos os rouxinoes,
Um silencio pesado amortalhava o mundo.
Unicamente ao longe o velho mar profundo
Descantava chorando os 
psalmos da agonia.
Jesus, quasi a expirar, cheio de dôr, sorria.
Os 
abutres crueis pairavam lentamente
A farejar-lhe o corpo; ás vezes de 
repente
Uma nuvem toldava a face do luar,
E um clarão de 
gangrena, estranho, singular,
Lançava sob a cruz uns tons 
esverdeados.
Crucitavam ao longe os corvos esfaimados;
Mas 
passado um instante a lua branca e pura
Irrompia outra vez da grande 
nevoa escura,
E inundavam-se então as chagas de Jesus
Nas 
pulverisações balsamicas da luz.
No momento em que havia a grande escuridão,
Christo sentiu alguem 
aproximar-se, e então
Olhou e viu surgir no horror das trevas mudas
O cobarde perfil sacrilego de Judas.
O traidor, contemplando o 
olhar do Nazareno,
Tão cheio de desdem, tão nobre, tão sereno,
Convulso de terror fugiu... Mas nesse instante
Surgiu-lhe frente a 
frente um vulto de gigante,
Que bradou: 
--É chegado emfim o teu castigo
O traidor teve medo e balbuciou: 
--Amigo,
Que pretendes de mim? dize, por quem esperas?
Quem és 
tu?-- 
--«O Remorso, um caçador de féras,
Disse o gigante. Eu ando ha 
mais de seis mil annos
A caçar pelo mundo as almas dos tiranos,
Do traidor, do ladrão, do vil, do scelerado;
E depois de as prender 
tenho-as encarcerado
Na enormissima jaula atroz da expiação.
E 
quando eu entro ali na immensa confusão
De tigres, de leões, 
d'abutres, de chacaes,
De rugidos febris e de gritos bestiaes,
Fica 
tudo a tremer, quieto de horror e espanto.
Caim baixa a pupilla e vai 
deitar-se a um canto.
E quando em summa algum dos monstros quer 
luctar
Azorrago-o co'a luz febril do meu olhar,
Dando-lhe um 
pontapé, como n'um cão mendigo.
Já sabes quem eu sou, Judas; anda 
comigo!» 
Como um preso que quer comprar um carcereiro,
Judas tirou do 
manto a bolça do dinheiro,
Dizendo-lhe: 
--Aqui tens, e deixa-me partir... 
O gigante fitou-o e começou a rir. 
Houve um grande silencio. O infame Iskariote,
Como um negro que 
vê a ponta d'um chicote,
Tremia. Finalmente o vulto respondeu: 
«Judas, podes guardar esse dinheiro; é teu.
O oiro da traição
pertence-lhe ao traidor,
Como o riso á innocencia e como o aroma á 
flôr.
Esse oiro é para ti o eterno pesadello.
Oh! guarda-o, guarda-o 
bem, que eu quero derretel-o,
E lançar-t'o depois caustico, vivo, 
ardente,
Lançar-t'o gota a gota, inexoravelmente
Em cima da 
consciencia, a pudrida, a execravel!
Com elle hei de fundir a algema 
inquebrantavel,
A grilheta que a tua esqualida memoria
Trará, 
arrastará pelas galés da Historia,
Durante a eternidade illimitada e 
calma.
Essa bolsa que ahi tens é o cancro da tua alma:
Já se agarrou 
a ti, ligou-se ao criminoso,
Como a lepra nojenta ao peito do leproso,
Como o iman ao ferro e o    
    
		
	
	
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