A senhora Rattazzi | Page 8

Camilo Castelo Branco
certeza, tinha com que alvoro?ar a curiosidade publica. Pensaria n'isso? é provavel que sim, mas faltou-lhe o tempo. Como quer que fosse, essas memorias só poderiam publicar-se depois d'elle morto; se as publicasse em vida, correria o perigo de o espatifarem?. é uma princeza a escrever d'um homem fallecido que a inculcára litterata distincta no Jornal da Noite, mentindo á gente por um excesso de cavalheirismo fidalgo que o desculpa, e mais relevante faz resaltar a ingratid?o da leitora do Casa nova.
Crueza e indignidade que n?o desafinam das tradi??es corsas da sua familia; mas que será difficil encontrarem-se em uma senhora de la haute vie, uma irlandeza de mais a mais, uma Wyse, fina fl?r fanada da Gentry.
A snr.^a Maria Letizia esteve no Porto, onde ?viu o lindo riacho, Rio de Viela que atravessa diversas ruas?; conversou com a snr.^a Alveolos, ingleza gorda que, por signal, a n?o percebeu. Conta-nos--digno Plutarcho--a biographia da estalajadeira do Francfort, e viu a confraria dos Pénitents rouges a descer da collina para o rio, e parar com tochas accesas á porta d'uma casa mourisca com vidra?as coloridas, e paredes esmaltadas de adobes azues. Que diabo de vis?o! O Hoffmann n?o veria isto no Porto sem beber muito de 1815. Os penitentes vermelhos!
Tambem esteve em Cedeifata e no palacio de crystal, acompanhada par le savant docteur Ricardo Costa. é admiravel como ella, n'um lance d'olhos, apanhou as linhas intellectuaes e scientificas do senhor doutor Ricardo Costa! Quantas pessoas andam duzias de annos á volta d'um sabio sem o penetrar!
Na carta XXIII, esta mirifica epistolographa mette a riso a nossa pronuncia nacional, os sons nasaes, as desinencias em oês e em a?, que nos ficaram da lingua galoga, e se pronunciam ouenche, anhon ?com um accento ?violento de nariz que só bem póde imitar-se pegando n'este appendice com a m?o toda para bem proferir o portugaison?. Sim, elle é preciso pegar no appendice para bem pronunciar o portugaison.
Vence-me o tedio; mas n?o me punge o remorso de ter lido 415 paginas. Tenho, porém, vergonha de que um ou outro portuguez, desnacionalisado por despeitos pessoaes e politicos, se compraza de vêr os seus conterraneos enxovalhados pela snr.^a Rattazzi, cuja maledicencia é notoriamente europêa. O seu renome de desbragada sem-ceremonia ganhou-o em Italia e Paris a ponto de lhe imputarem as brochuras crapulosas do infame bandido Vésinier, um corcunda petroleiro que espingardearam em 71. Elle publicára na Belgica o Mariage d'une espagnole com as iniciaes M. de S., em que muitos decifraram Marie de Solms (Les membres de la commune, par Paul Dehon, pag. 241). Outros davam quinh?o na torpeza a Sch[oe]lcher (Histoire de la revolution de 1870-71, por Claretie). Era uma calumnia que a n?o pungiu grandemente; um dia, porém, o despejado amanuense de E. Sue fez confiss?o publica e vaidosa de ter vendido esses farrapos de baixo alcouce aos editores belgas.
A senhora princeza, se em vez de puffs usasse cal?as e voltasse a Portugal, de certo acharia quem lhe désse umas. Tem por si o arnez da fragilidade, posto que as senhoras um pouco durazias, e por isso menos quebradi?as, devem ater-se menos á irresponsabilidade das qualidades vidrentas. Em todo o caso, a gente admira-se, porque esta especie de extravagancia n?o é vulgar, e só póde perdoar-se ao talento que a snr.^a Rattazi n?o professa. Tenha paciencia. é uma patarata, a ragged woman, com uns quindins de mauvais aloi, trescalando a boudoir-Lenclos, com umas guinadas de verve, barrufadas de champagne frappé. De resto, é uma princeza que nos faz lembrar, quanto aos seus diplomas principescos, a rainha Jacintha de negra memoria, e quanto aos seus morgadios realengos n?o nos parece mais donataria que a illustre senhora da ilha das Gallinhas. Em conclus?o: o seu livro n?o é cano de escorrencias muito nauseabundas, nem é canal de noticias uteis, tirante a dos hoteis infamados de persevejos; n?o é pois cano, nem canal; mas é canudo, porque custa sete tost?es; e--vá de cal?o--como tro?a e bexiga, é caro.

Notas:
[1] La verité sur M. Rattazzi, par l'Inconnu.
[2] Quem houver lido as Memorias de Casa nova, um patife no genero Lovelace peorado, tem comprehendido a crueza da compara??o.

End of Project Gutenberg's A senhora Rattazzi, by Camilo Castelo Branco
*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A SENHORA RATTAZZI ***
***** This file should be named 19375-8.txt or 19375-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/1/9/3/7/19375/
Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed.
Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 12
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.