A penalidade na India segundo o Código de Manu | Page 2

António Cândido de Figueiredo
as
leis e o direito consuetudinário da nação, das classes e das familias[4],
e decidia as causas que o código agrupa sob dezoito titulos:
[3] VIII, 1 e 2.

[4] VIII, 3.
Causas sobre dívidas;
Depósitos;
Venda de objecto alheio;
Emprêsas de associações commerciais;
Subtracção de coisa dada;
Pagamento de salários;
Execução de contratos;
Annullações de compra e venda;
Questões entre amo e criado;
Extremas de propriedades;
Maus tratos e insultos;
Roubos;
Salteadôres e violencias;
Adultérios;
Devêres entre marido e mulher;
Partilhas de heranças;
Jogo e combates dó animais[5].
[5] VIII, 4 e 7.
«As contestações dos homens,--são expressões do código,--referêm-se
em geral a estes artigos[6]».

[6] VIII, 8.
* * * * *
Embora o rei fôsse o principal julgadôr, vemos consignados no código
os tribunais collectivos, embora a civilizações menos antigas se haja
attribuído esta importantissima instituição.
Com effeito, abrindo o código, no livro VIII, çloka 9 a 11, vemos que o
rei, quando não póde por si examinar as causas judiciárias, encarrega
um bráhmane instruído de desempenhar essas funcções. Este bráhmane
entra no tribunal, acompanhado de três accessôres, e examina as causas
sujeitas á decisão do rei.
A autoridade, que se liga a esta assembleia do juízes, é enorme, porque
é divina; e o código consagra-lhe expressões tais, que, ao lê-las a
primeira vez, naturalmente nos occorrem aquellas palavras amoráveis
do nosso Christo:
Ubi sunt duo vel tres congregati in nomine meo, ibi sum in medio
eorum.
O código de Manu tinha dito, muitos séculos antes de Christo:
«Onde quer que estejam três bráhmanes, versados nos Vedas, e
presididos por um bráhmane sapientissimo escolhido pelo rei, esta
assembleia é chamada pelos sábios o tribunal de Brahmá
quatrifronte[7].»
[7] VIII, 11.
O rei póde escolhêr juízes entre a classe dos bráhmanes, e até entre as
dos kchatriás e a do vaysiás, mas nunca entre os çudras.
Se bem que estas palavras çudras, vaysiás, kchatriás, bráhmanes, não
encerrem mistérios para quem tenha alguma notícia do sistema das
castas indianas, afigura-se-nos que não virá fóra de ponto uma ligeira
explanação do assunto, visto como os vicios capitais da penalidade

indiana estão subordinados ao sistema das castas.

*IV*
Como é sabido, a velha civilização indiana tinha por bases o sistema
das castas e o dogma da transmigração das almas.
Pondo de lado este dogma, que é hoje alheio ao nosso intúito, não
omittiremos uma explanação summária do sistema das castas.
O livro I do código refere que Brahmá, o deus supremo, o primeiro de
todos os sêres, para povoar a terra produziu da sua bôca o bráhmane,
do seu braço o kchatriá, da sua côxa o vaysiá e de seus pés o çudra.
Os çudras constituem a última classe, a servil; os vaysiás a terceira, a
dos artistas e agricultores; os kchatriás a segunda, a dos militares e dos
reis; e os bráhmanes a primeira, a sacerdotal.
Comquanto dos kchatriás sáiam os reis, o govêrno do país pertence de
facto á casta sacerdotal, e a preponderancia brahmânica faz-se resentir
em todos os monumentos que nos restam da civilização indiana, e até
nos monumentos da antiguidade teocrática europeia.
Um dos resultados da organização sacerdotal do govêrno indiano,
organização trazida para a Europa pelos celtas-arianos, e reproduzida
pelo druidismo, é que os monumentos mais assombrosos da India
antiga e da Europa medieval são os templos, os conventos o os
cemitérios[8].
[8] Ch. Steur, Ethnogr. vol. II, pag. 300.
A desigualdade perante a lei, na criminalidade indiana, está, como
vamos vêr, subordinada aos privilégios das castas e ás linhas que as
separam.
Mas, antes de falar de incriminações e penas, assuntos em que mais
resalta aquelle vicio, cumpre falar das provas judiciais admittidas pelo

código de Manu, e, em geral, da ordem do processo.

*V*
A acção não se intentava sem que os parentes das partes litigantes
procurassem conciliá-las; costume seguido também pelos celtas e
germanos, e até por outros povos europeus até ao século passado[9].
[9] Steur, cit., pag. 303.
Se os parentes não podiam conciliair as partes, recorria-se para uma
assembleia, formada de homens da mesma casta; da decisão dêstes
podia apellar-se para os habitantes de toda a communa; dêstes
apellava-se para os juízes reais, e dêstes emfim para a decisão do rei
numa assembleia composta de bráhmanes.
* * * * *
A prova principal no processo indiano é o depoimento das testemunhas,
que nunca podem sêr menos de três[10].
[10] Cod. de Manu, VIII, 60.
Para testemunhas, hão de escolhêr-se pessoas dignas e desambiciosas, e
não as pessoas interesseiras, nem os amigos, nem os inimigos, nem os
fraudulentos, nem os inválidos, nem os criminosos[11].
[11] VIII, 63 e 64.
O theólogo hábil, o estudante, o o asceta, não devem chamar-se para
testemunhas, porque são despendidos de relações mundanas.
O proprio rei, um artista de baixa categoria, como um cozinheiro, o
velho, a
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