A Velha Disciplina

Júlio Dumont
A Velha Disciplina, by Júlio
Dumont

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Title: A Velha Disciplina
Author: Júlio Dumont
Release Date: September 17, 2007 [EBook #22647]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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DISCIPLINA ***

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J. Dumont (Orlando)
+A VELHA DISCIPLINA+
VERSOS

(A proposito da injustificada condemnação dos marinheiros pelos
Conselhos de Guerra)
LISBOA IMPRENSA GOMES Rua do Sol ao Rato, 74
1906

Aos benemeritos defensores dos infelizes marinheiros:
Dr. Nobre de Mello " José d'Abreu " Lomelino de Freitas " Sarmento
Osorio " Borges de Sousa " Irnaldo Monteiro
OFFERECE E DEDICA +O auctor+

+A disciplina+
Emquanto cá por fóra o povo em romaria Ia buscar ao campo a rustica
alegria, Emquanto os beberrões de capa de cambraia Passeavam andor's
nos sitios d'Atalaya, Na torre negregada, a bastilha do mar, Uma
tragedia triste estava-se a passar.
Quem as ondas domou, domou o furacão, Da tempestade riu e zombou
do trovão, Quem viu o vasto oceano em vagas tormentosas Tornar em
vivo inferno um lindo mar de rosas, Quem nunca vacillou em arriscar a
vida Sustendo do gentio a rude arremettida, Estava ali curvado, a fronte
bem submissa, Com sede de razão á espera de justiça.
Nas suas almas sãs de bravos marinheiros Todos uma familia, amigos e
companheiros, Onde só a excepção pôz vis denunciantes, Trastes sem
cotação, emeritos tratantes, Havia côr de rosa a lisongeira esp'rança De
ver luzir no céo o arco da bonança.
E quem estava ali ouvindo o julgamento, Vendo tudo cahir sem base ou
fundamento, Quem via sossobrar a velha accusação De tetrica revolta
ou negra sedição, Quem via que um protesto unanime, geral, Fôra do
movimento a causa inicial, Calculava que o fim de tanta crueldade

Seria um acto bom de generosidade.
Porém, surgiu ali a D. Disciplina, Cabello em desalinho, a garra que é
tigrina Adunca e collossal; a hysterica madona, A serodia vestal, a
bellica matrona, Tinha sido offendida em seu pudor immenso, Um
pudor que rescende a perfumes e incenso. Oh! não! bradou convulsa;
oh! não, não póde ser? Não póde haver piedade, eu quero-os ver soffrer!
Que importa o coração? Enterre-se a bondade, É preciso um exemplo a
toda a humanidade!
Soffram os bofetões, as rudes chibatadas, Os dias no porão, as algemas
fechadas, Tenham do pão e agua o ephemero alimento, Tudo o que o
meu poder impõe como tormento! Nem um gesto sequer de simples
desagrado, Senão, se ouço gritar... verão o resultado! Esta torre aqui 'stá,
conhece muita magua, Nas humidas prisões entra em cachões a agua;
Quem não me obedecer ha de rolar no abysmo, Morrerá como um cão,
de dor's e reumathismo. Findou a inquisição, diz se p'r'ahi a esmo. A
torre 'inda cá está, e vem a dar no
mesmo! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E com immensa dôr, os peitos
palpitantes, Lagrimas o brotar de mães pobres velhinhas, Na branca
lividez de esposas soluçantes, Nos choros infantis de pobres
creancinhas, Levantando a cabeça em gargalhada f'rina, 'Inda mais uma
vez venceu a Disciplina!
*
Ó velha Disciplina, ó serodia vestal De palmito e capella, os cabellos
pintados, A virginal grinalda, á laia d'avental, O rosto convulsivo a
desfazer-se em brados. Ó ginja delambida, ó velha sem razão, Vamos
fazer autopsia ao vosso coração.
Sabeis o que é amar, ter mãe e ter irmãs, Velhas a sustentar, creanças a
manter, Noivas todas paixão em suas almas sãs O futuro, uma vida, a
aspiração d'um ser? Não o sabeis decerto, ó bellica matrona Austera
Disciplina, ó velha solteirona.
Quem não se quiz curvar á vossa tyrannia Tem de gemer alli em
funebre masmorra, Liberdade, Egualdade, isso é uma utopia É vosso o

mundo inteiro, e quem protestar: morra! Ó como é triste e vil, o mundo,
a humanidade Quando não quer subir ao solio da bondade. Onde tendes
matrona, o coração sensivel Proprio d'um peito bom, que tem ao rigor
asco Que dicta uma sentença ignobil e terrivel Com toda a placidez
d'um cynico carrasco. Onde guardaes essa alma, escura, empedernida,
Que incensando o rigor dispõe de muita vida?...
Remirando os galões, bonitos reluzentes, Onde a vaidade pôz
scintilações a rôdos, Julgae-vos superior a todos os mais entes Nascidos
como vós, mortaes como nós todos. E senhora feudal, ó velha
Disciplina Cravaes a garra adunca, a tetrica assassina!
Lá vão tristes
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