A Pavorosa Illusão | Page 2

Manuel Maria de Barbosa du Bocage
por ti, Deus necessario

Aos tyrannos da terra, aos que te imitam,
E áquelles que não crêem
que Deus existe.
N'este quadro fatal bem vês, Marilia,
Que, em
tenebrosos seculos involta,

Desde aquelles crueis, nefandos tempos,

Dolosa tradição correu aos nossos.
Do coração, da ideia, ah!
desarraiga
De astutos mestres a fallaz doutrina,
E de credulos paes
preoccupados
As chimeras, visões, phantasmas, sonhos.
Ha Deus;
mas Deus de paz, Deus de piedade,
Deus de amor, pae dos homens,
não flagello;
Deus, que ás nossas paixões deu ser, deu fogo;
Que só
não leva a bem o abuso d'ellas;
Porque á nossa existencia não se
ajusta,
Porque inda encurta mais a curta vida.
Amor he lei do
Eterno, he lei suave:
As mais sam invenções; sam quasi todas

Contrarias á razão e á natureza,
Proprias ao bem de alguns, e ao mal

de muitos.
Natureza e razão jámais differem:
Natureza e razão
movem, conduzem
A dar soccorro ao pallido indigente,
A pôr
limite ás lagrimas do afflicto,
E a remir a innocencia consternada,

Quando nos debeis, magoados pulsos
Lhe roxeía o vergão de vís
algemas.
Natureza e razão jámais approvam
O abuso das paixões,
aquella insania
Que, pondo os homens a nivel dos brutos,
Os
infama, os deslustra, os desacorda.
Quando a nossos iguaes, quando
huns aos outros
Traçamos fero damno, injustos males,
Em nossos
corações, em nossas mentes
És, ó remorso! o precursor do crime;
O
castigo nos dás antes da culpa,
Que só na execução do crime existe;

Pois não póde evitar-se o pensamento.
He innocente a mão que se
arrepende.
Não vêem só d'um principio acções oppostas,
Taes
dimanam de um Deus, e taes do exemplo,
Ou do cego furor, molestia
d'alma.
Crê pois, meu doce bem, meu doce encanto
Que te anceiam
phantasticos terrores,
Prégados pelo ardil, pelo interesse
Só de
infestos mortaes na voz, n'astucia.
A bem da tyrannia está o inferno:

Esse que pintam bárathro de angustias
Sería o galardão, sería o
fructo
Das suas vexações, dos seus embustes,
E não pena de amor,
se inferno houvesse.
Escuta o coração, Marilia bella,
Escuta o
coração, que te não mente;
Mil vezes te dirá; "Se a rigorosa,

Carrancuda oppressão de um pae severo
Te não deixa chegar ao caro
amante
Pelo perpetuo nó que chamam sacro,
Que o bonzo
enganador teceu na ideia,
Para tambem de amor dar leis ao mundo;

Se obter não pódes a união solemne,
Que allucina os mortaes; porque
te esquivas
Da natural prisão, do terno laço
Que em lagrimas, em
ais te estou pedindo?
Reclama o teu poder e os teus direitos
De
justiça despotica extorquidos.
Não chega aos corações o jus paterno,

Se a chamma da ternura os afogueia.
Eia pois, do temor sacode o
jugo,
Acanhada donzella, e no teu pejo,
Destra illudindo as
vigilantes guardas,
Pelas sombras da noite, a amor propicias,

Demanda os braços do ancioso Elmano;
Ao risonho prazer franqueia
os lares.
Consista o laço na união das almas;
Do ditoso hymeneu as
venerandas,
Caladas trevas testemunhas sejam;
Seja ministro amor,

a terra o templo,
Pois que o templo do Eterno he toda a terra.

Entrega-te depois aos teus transportes,
Os oppressos desejos
desaffoga,
Mata o pejo importuno; incita, incita
O que só de prazer
merece o nome.
Verás como, involvendo-se as vontades,
Gostos
iguaes se dam e se recebem.
Do jubilo ha-de a força amortecer-te;

Do jubilo ha-de a força aviventar-te:
Sentirás suspirar, morrer o
amante;
Com os teus confundir os seus suspiros:
Has-de morrer e
reviver com elle.
De tam alta ventura, ah! não te prives,
Ah! não
prives, insana, a quem te adora."
Eis o que has-de escutar-lhe, ó doce
amada!
Se á voz do coração não fores surda.
De tuas perfeições
enfeitiçado,
Ás preces que te envia eu uno as minhas.
Ah! faze-me
ditoso, e sê ditosa.
Amar he um dever além de um gosto;
Uma
necessidade, não um crime
Qual a impostura horrisona pregoa.

Ceos não existem, não existe inferno.
O premio da virtude he a
virtude;
He castigo do vicio o proprio vicio.
M. M. B. DU BOCAGE
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Maria Barbosa du Bocage
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